Cultura

ROMANCE "A PSICÓLOGA", TF, CAP 13: A TEMPESTADE E O TEMOR DO MOTOBOY

Roque me olhava com ar de descrença. Tomei um pouco de café e prossegui: "Ela também viu uma possível tempestade em nossas vidas e raios em forquilha caindo sobre minha cabeça.
Tasso Franco ,  Salvador | 01/07/2025 às 09:05
Sinais do firmamento com raios na Serra dos Cardeais
Foto: Seramov
CAP 13

A TEMPESTADE NA SERRA, O TEMOR DO MOTOBOY E MEU DIÁLOGO COM ROQUE 

   OHANA DEPÕE:

  Depois de saltar na pracinha da Capela segui para casa contando os passos e calculando na cabeça o que contar a Roque. Aparentemente, estava tranquila quando entrei em casa. Minha consciência flutuava. Roque estava na marcenaria despachando uns móveis para Aracaju e cheguei a tempo para conferir o pedido, organizar a nota fiscal e orientar as embalagens. 

   Ele me olhou sem entusiasmo até porque não acreditava na cigana rezadeira de Umbuzeiro, que ele recomendara, e apenas falou que eu parecia bem, solta, aliviada. Respondi dizendo que conversaríamos durante o jantar. Adiantei, apenas, que a consulta serviu para me orientar sobre dúvidas que tinha.
 
  Estávamos completando a carga do caminhão F4000 de tamanho médio quando o céu na “Serra dos Cardeais” se tornou carregado de nuvens escuras e densas. Um vento forte soprou da área Norte onde o sol se levanta todos os dias, um redemoinho se formou no final de nossa rua, os homens que estavam carregando o caminhão correram para dentro da marcenaria e uma imensa tábua voou sobre nossas cabeças.
 
   Roque e os homens fecharam as portas principal e lateral e logo depois ouvimos um estrondo no céu, um trovão desses de tremer as nossas pernas, seguido de raios que cortavam o firmamento como facas, uns em formado de forquilha; outros de um canivete de capar bodes aberto e eu agarrei no Roque, me protegi no meu marido e os homens cobriram as máquinas, ferramentas e os espelhos com panos e se jogaram embaixo das mesas.
 
  Ficamos todos calados, estupefatos, esperando que tudo aquilo fosse passageiro como de fato foi, porém, durou uns 40 minutos a 1 hora de forte tensão. Um aguaceiro desabou nos telhados das casas até que se acalmou e o caminhão foi embora com os homens e as mercadorias. Eu e Roque fomos para nossa casa anexa à marcenaria quando tomei um banho, preparei o café e fomos jantar.
 
                                                                         ****
 
   Entre o banho e o jantar passando sabão no corpo e retirando as impurezas da viagem a Umbuzeiro fiquei pensando se havia cometido pecado ao alisar o peitoral do motoboy e senti angustiada, se aquilo foi um impulso passageiro organizado pela vidente com seus poderes de magia-negra para me testar, observar minha fidelidade ao Roque, ou se foi algo casual de uma mulher que nunca experimentou nada diferente em sexo na vida adulta e resolveu por sua conta e risco fazer aqueles gestos.
 
  O certo é que não poderia contar nada ao Roque nem a Alicinha sobre esse detalhe até porque não enxergava um problema maior. Claro, se contasse ao Roque, a reação dele seria imprevisível. E, se falasse a Alicinha certamente ela viria com alguma teoria oriunda de Freud algo emanado do inconsciente e aí é que iria embaralhar mais minha cabeça. Minha decisão estava tomada: ficaria em silencio.
 
  Ao mesmo tempo me atormentava que o rapaz pudesse contar a algum amigo sobre o acontecido, porém, quando me deixou na pracinha da Capela eu falei para ele com bastante ênfase, de que, “o que aconteceu na casa da vidente e na moto, morria ali como na mesa-sepultura de Samuelina e nada fosse revelado”. Ele me garantiu que não foi a primeira vez que aconteceu esse feitiço com ele e “não era doido de abrir o bico” – palavras suas.
 
  E me disse mais: que é bem casado com esposa fiel e filhos – não sei se foi uma indireta comigo. Advertiu, inclusive, que tem recusado propostas de uma segunda vez ou que mais fosse, pois uma senhora do Pombaleiro lhe havia dito que duro igual ao seu, formoso e empinado nunca tinha experimentado.
 
  Já sentados na mesa de jantar expliquei a Roque que a senhora indicada por ele não era rezadeira e sim uma vidente assemelhada a uma cigana ou uma bruxa. Que a consulta foi tranquilizadora e sai de lá aliviada. 
  
  Assim falei: - Ela me garantiu que quem sonha com cobra tem esse dizer popular da desdita, mas, a cobra é um animal sagrado no Egito e outros povos e representa o símbolo da fertilidade. Não via, portanto, qualquer temor em abalos na nossa relação.
 
   Ainda - segundo a vidente – o desequilíbrio na minha cabeça, de fato, teria sido provocado pela morte das crianças no crime do colégio Dom Miguel e que esse tipo de ação realmente é chocante, preocupante, mas que os meninos e meninas estavam bem na nova vida noutro universo.

   Eu falava feito uma carretilha quando Roque me interrompeu e perguntou:
 
   - Você já é uma mulher com quase 40 anos de idade, experiente, vivida, acreditou mesmo no que essa vidente falou? Qual poder teria para falar de pessoas que já morreram, que enlutaram as famílias e até hoje, coitadas, choram a perda dos seus filhos, dos seus entes queridos?
 
    Retomei a palavra: - Não vou dizer que acreditei em tudo mas achei sua fala, sua oração comigo, pelo menos no meu caso, mais acalentadora do que a conversa das psicólogas e dos educadores do governo que estiveram aqui na época da morte dos meninos e depois desapareceram e nunca mais voltaram. Eu, de fato, ando abalada com os sonhos dessa maldita cobra e sei que você não é capaz de me trair, mas as tentações do mundo são muitas, afiancei resoluta.

   Roque me olhava com ar de descrença. Tomei um pouco de café e prossegui: "Ela também viu uma possível tempestade em nossas vidas e raios em forquilha caindo sobre minha cabeça. E que sinal foi esse logo que voltei de lá! Sinal dos céus, do outro além, dessa chuva fora de época com trovões e raios! 

  Tudo isso me faz acreditar no que ela disse e mais não posso falar do que ela viu numa bola de cristal sobre os meninos e nossas vidas porque eu, embora tenha colocado minhas mãos sobre a bola, nada enxerguei, mas não é a primeira vez que ouço falar noutras vidas e nosso pároco em São João Baptista sempre diz que estamos na Terra em passagem.
 
  Roque me interrompeu: - São bobagens, especulações, morreu, morreu, é o fim; e nasceu, nasceu, é o começo. O resto é conversa fiada dessas videntes e também de pastores para manter os fiéis acorrentados e seguidores do que falam e também ganharem dinheiro. O meu é que eles não levam porque é ganho com suor do corpo, com trabalho, não é de emprego do governo e respeito sua opinião. Lamento que esteja pensando em traição, pois, nós dois estamos sempre juntos e nos amando.
  
   Fui então forçada no meu intimo a revelar a conversa que ele teve com a madame de Aracaju pelo WhatsApp e quando citei esse fato senti que meu marido estremeceu, desalinhou o prumo do pensamento e tentou desconversar dizendo que foi apenas uma fala empresarial e, que, portanto, eu não deveria ter ciúmes.
   
   Religuei minha coragem e disse a ele que não gostei do que li e falei que ela entrara na minha mira e na boca do sapo se insistir nalgum avanço. Roque sorriu. Quase gargalha e jurou amor eterno para comigo e disse: - Quem tem medo de sapo cururu é criança, hoje, nem tanto, os meninos da Serra capturam sapos para vender a experimentos científicos em troca de bombons.
   
   Adverti-o carinhosamente: - Tema, pois, o sapo que vi com a vidente se lamber a imagem de uma pessoa ela pode ir a Alfa Aix.

   Agora, sim, Roque gargalhou: - Alfa Six, vidente, sapo, anão, bruxa, bola cristal... sinto que estás envolvida e acreditando nos contos da carochinha e na volta de Dom Sebastião, rei de Portugal, como nossos bisavôs que se instalaram nessa “Serra dos Cardeais” e aqui enterraram seus umbigos e corpos, mas nada aconteceu. Agora, os crentes pregam a volta de Jesus e há quem nisso acredite em troca de algumas moedas – disse Roque acariciando meus cabelos com as mãos.
  
   - Sejamos práticos – concluiu ele – vamos fazer amor e dormir que amanhã é dia de trabalho e tenho encomendas a entregar.
 
 *** No próximo capítulo Alcinha chega de férias com suas teses da psicologia.