Cultura

ROMANCE "A PSICÓLOGA", TF, 14: VISITA DA FILHA E CONVERSA SOBRE FREUD

- Ah! Lá vem você com terapia de novo, com citações de mais sábios estrangeiros, quando busco algo mais simples.
Tasso Franco ,  Salvador | 08/07/2025 às 10:10
Sigmund Freud
Foto: Seramov
CAP 14

A VISITA DA FILHA E A CONVERSA SOBRE FREUD

Ohana segue falando:

  Nas férias de junho Alicinha veio estar conosco durante 30 dias nos momentos dos festejos de São João e São Pedro. Ficamos num contentamento enorme e tivemos conversas em conjunto e em particular.

   Roque se mostrava muito alegre porque a ‘filhona’ – assim se refere a ela -  estava em casa, enchendo-a de beijos, mas ainda sem acreditar e entender o que representava o trabalho de uma psicóloga.

 Como vocês sabem, meus distintos leitores, ele só põe fé nas profissões de médico e advogado porque dão dinheiro. Está sempre lembrando o seu exemplo que trabalha e trabalha feito “burro de carga” e não sai do lugar. Cita sempre tio Damasceno que é caminhoneiro, conhece outras terras, mas, também vive agarrado ao volante do caminhão e luta muito para manter sua casa em pé.

  Eu, felizmente, acredito que a escolha dela pela psicologia foi ótima, que a vocação é o mais importante para uma pessoa. Tem gente que vai ser freira e vive feliz a vida toda. Essa – creio - é uma vocação ainda mais difícil, porque, observando a questão do dinheiro não existe freira rica. Padres, sim. 

   O importante é que Alicinha está amando o curso e para mim, imagino, será importantíssimo, pois, se estou com esses sobressaltos de cabeça e psicólogas tratam de cabeças desequilibradas vai me ajudar e muito.

   E foi assim que tivemos uma conversa nós duas e eu relatei a visita que fiz a vidente. Senti, cara a cara, que ela não aprovou e me recriminou dizendo que há métodos científicos para tratar da mente. 

   Voltou a falar de Freud e disse que já tinha completado a leitura do livro dos sonhos, entendido muitas coisas, porém, ainda havia muito a estudar. E que, no livro, Freud cita uma quantidade enorme de outros autores que aborda o mesmo tema, mas ela ainda não teve acesso a esses compêndios.

   - Mãe – assim ela me advertiu – o tempo das bruxas, das feiticeiras já passou há muito e isso aprendi na Dom Miguel e no curso médio da Terra do Sol. A igreja inclusive mandou tocar fogo em muitas possíveis bruxas na Europa. Então, a senhora deveria ter me falado pelo WhatsApp que eu a desaconselharia essa consulta, ainda mais que, estudando psicologia sei que seu tratamento, se precisar dele é uma terapia e pronto.

   - Filha, desculpe minha ignorância, o que é isso de terapia? Estamos acostumadas em nosso povoado as rezas, aos conselhos dos mais velhos e essa senhora que fui me consultar não é uma bruxa, nem feiticeira, e sim uma cigana vidente. E desde o tempo do seu bisavô Nénenzinho que os ciganos andam por esses sertões rezando e também, ao que dizem, roubando. E suas rezas, suas leituras de mãos são eficientes, são boas.

   - E o que lhe disse essa cigana, que lhe recomendou?

   - Que está tudo bem comigo e com seu pai, me deu conselhos, me acalmou e me mostrou um sapo que saiu do nada, uma coisa que parecia do outro mundo e que poderia resolver meu tormento caso alguém atravessasse na minha frente, tomasse meu Roque de mim e eu fiquei apavorada, mas gostei da ideia.

   - Ora, mãe, isso me parece pura bruxaria, uma enganação que não resolve nada, que só provoca mais desespero e ela vai é tomar seu dinheiro porque é disso que cigana gosta.

   - Não vai tomar nada. Meu dinheiro é suado, é conquistado com muito esforço e paguei a consulta que foi 50 reais e pronto.

  - E a senhora acredita no que ela lhe falou?

  - Não acredito nem deixo de acreditar. Uso os meios que possuímos em nosso povoado que é a terra onde Judas perdeu as botas, que nunca leu esse homem que você falou dos sonhos, que nunca teve uma psicóloga e você vai ser a pioneira. Nosso povo sempre se cuidou com rezas, chás, remédios ´populares e tá tudo mundo vivo graças ao bom Deus.

   - Mãe, o mundo tá mudado, hoje, temos novos procedimentos, novas conquistas, a senhora já tem iPhone, geladeira, TV a cores, e consultas médicas já podem ser feitas por vídeo conferências e assim por diante. No seu caso, na interpretação Freud essa cobra que sonhas revela alguns sinais relevantes de sua inconsciência.

   - Que sinais? Essa maluquice que você falou da realização de um desejo? Esse homem deve ser um maluco, isso sim. Pode ser que lá na terra dele seja isso, as mulheres de lá pensem assim, mas, aqui, não. 

  - Minha mãe, se acalme, Freud é um cientista. Ele estudou e analisou as fontes somáticas do sonho, os estímulos sensoriais objetivos que são de objetos externos; e os estados de excitação interna dos órgãos sensórias, de base apenas subjetiva. Na interpretação, isso acontece com as mulheres da Europa, do Brasil, da China, da Índia de onde for. E a senhora não está livre disso.

   Alicinha respirou fundo, olhou bem no interior dos olhos da mãe e prosseguiu: - Desde estudos de outro cientista que conheci agora, em estudos, Wilhem Wunt, que o cérebro vem sendo analisado pela ciência e é uma caixinha permanente de surpresas. As realizações de desejos podem estar latentes ou em estado de vigília, acontece com qualquer pessoa, pra lá ou pra cá, e a senhora não está livre de sonhar e até ser sensível a um outro querer.

   - Deus me livre e guarde, pé de pato mangalô três vezes – rebati com veemência. Estou muito bem com seu pai e com ele quero seguir até o cemitério da paróquia. 

   Mais reflexiva, pegando nas mãos de Alicinha e quase a choramingar, tive a coragem de contar a carícia que fiz no motoboy. 

  Assim falei: - Já que você veio com essa conversa atravessada quero lhe confidenciar que após a consulta e no retorno ao nosso povoado, usando os serviços de um motoboy no transporte para o Umbuzeiro, fui tentada por algum demônio a acariciar o peitoral do motociclista e algo mais. Isso me assustou naquele momento e fico pensando até agora se fiz por mal ou por arte da vidente.

   - A luz da igreja um querer fora do casamento é um pecado, mas, na psicologia o entendimento é outro – consolou-me Alicinha. 

   E seguiu com sua fala macia quase uma pluma: - Freud atribui ao sonho o papel de guardião do somo, impedindo a irrupção de impulsos reprimidos. Como a senhora está sonhando com cobras e elas têm significado fálico, se assemelham a pênis, seu inconsciente lhe levou a esse gesto. Mas isso não é assustador nem fora de controle. 

   - Como não. Eu nunca pratiquei um gesto dessa natureza e minha vida tem sido de lealdade e amor eterno ao seu pai. Fico a pensar se aquela maldita vidente não direcionou sua bruxaria contra mim.

   - Então a senhora agora acredita que se trata de uma bruxaria, Alicinha elevou um pouco o tom da voz.

   - Penso nessa hipótese, mas não sei se estou certa. Ou se foi coisa de mulher, de ciúme, de uma vingança antecipada. Confesso que tenho ciúme de outra mulher que possa conquistar o meu Roque.

   - Vejo, ainda como estudante de psicóloga, que o seu caso, esses pensamentos, somente uma terapia para resolver, afiançou Alicinha tentando me acalmar.

   - Ah! Lá vem você com terapia de novo, com citações de mais sábios estrangeiros, quando busco algo mais simples.

   - Mãe, nada na mente é simples. A mente não existe como um fígado, um coração, um rim. É a subjetividade pura, incontrolável, complexa, e esses impulsos que a senhora teve só a ciência consegue controla-los, com o tempo, com analises, estudos, conversas. Se acalme que tudo se resolverá.

                                                ****
   E assim encerramos a nossa primeira conversa. Claro que eu sendo uma pessoa sem instrução mais elevada, porém, com senso intuitivo aguçado, observei que ela havia evoluído muito em conhecimento, o que é natural porque está tendo acesso a novas fontes de conhecimento e saber.

   Eu seguia a vida prática de um povoado que vive entre a inovação da internet e hábitos e costumes da idade média comprando ovos na feira de mulheres que trazem das roças, a carne verde no mercado municipal, verduras e frutas vendidas em carrinhos de mãos portanto equilibrava e ao mesmo tempo usando um iPhone, vivendo entre o sentido novo da vida e a tradição arraigada há anos das rezas e dos chás.

*** No próximo capítulo, a semana do São João e o vestido sex.