Creio, agora, que esse Freud tem razão quando fala em desejos ocultos.
Tasso Franco , Salvador |
22/07/2025 às 09:32
Magali, a madame Fonseca; e seu esposo Romeu
Foto: Seramov
CAP 16
A PROVOCATIVA VISITA DA MADAME FONSECA E O CIÚME DE OHANA
Ohana:
No início do mês de julho Alicinha retornou a Aracaju para concluir o primeiro ano do seu curso de psicologia e ficamos pesarosos com sua partida, porém, menos do que na primeira ida entendendo que era bom para seu futuro e não poderíamos impedir isso de forma alguma.
Também comentei com ela sobre o último sonho da cobra querendo me engolir quando fiquei bastante apavorada. Ela me tranquilizou e disse que iria verificar no livro de Freud qual a interpretação que dava sobre esse gesto e também falaria com o professor Mota que ensinava “Fundamentos da Psicologia” para verificar o que diria. Era catedrático estudioso da matéria. Que não me preocupasse nem encucasse com isso. Que eu procurasse me distrair e não ficasse com pensamento permanentes em coisas ruins, porque o mal puxa o mal. Ademais, que não retornasse para me aconselhar com a cigana e gastar mais dinheiro.
Mais calma, no decorrer da semana fiquei pensando se Alicinha tinha razão. Que a tentação tem mão dupla, isso parece consensual desde que o mundo é mundo. Assim como temo uma traição do Roque, presumivelmente endeusado por alguma mulher mais atraente; também posso pensar no reverso da moeda, ainda que eu não tenha o menor interesse num novo querer.
Lembrei-me da conversa com Alicinha quando ela me disse que, ao ter alisado o peitoral do motoboy, esse gesto foi determinado pelo inconsciente que havia me levado ao impulso. Ou seja, foi o inconsciente que acariciou os músculos de Marcelo e não eu.
Ela me explicou o que significava o termo “pulso” em psicologia, tanto o físico como a percepção da passagem do tempo. E o conceito de “pulsão”, força interna que impulsiona uma pessoa e esses elementos se manifestam no comportamento humano.
Eu entendi o que ela falou, porém, não compreendi em sua inteireza, nem estava disposta a isso e segui com minha intuição da vida prática.
De fato, aqueles gestos e o pensar neles ainda não saíram de minha cabeça. A impressão inicial foi de que teria sido provocado pelo vento, pela velocidade da moto e nada mais. Mas no dia da feira quando Marcelo olhou para nós, eu e Alicinha, e foi ela que me chamou a atenção para o jovem, diria para o homem feito, senti que ele estava olhando com mais atenção meu vestido, minhas ancas, meus quadris que, modéstia à parte, são volumosos na medida de despertar entusiasmo n’algum homem.
E, naquele dia junino, no quarto, sozinha e antes do banho, ao roçar os dedos na minha vulva meu pensamento, meu desejo, estava voltado para o motoboy. Creio, agora, que esse Freud tem razão quando fala em desejos ocultos.
O que eu tinha de fazer era tirar esses pensamentos de minha cabeça, de uma vez por todas em relação ao motoboy e esquecer que Roque possa estar caído por outra mulher. Procurei me concentrar no trabalho, no amor a nossa família e pronto. E assim segui.
***
Mas a vida não é como a gente quer, nem imagina. Ela tem curvas sinuosas, altos e baixos. Dias depois, com nosso povoado no tempo do inverno, a serra verde como um cacho de uvas, os cardeais solfejando, a natureza dando o ar de sua graça com as flores brotando para dar início a primavera, captei no nosso celular uma nova mensagem da cliente de Aracaju para Roque.
Diria, uma mensagem insinuante, pois o tratamento dado no texto passava um pouco do empresarial. A escrita assinada pela Rede Fonseca de Lojas de Móveis assinalava que o casal de proprietários Romeu e Magali iriam para a inauguração de uma indústria de cervejas em Alagoinhas, na Bahia, e na passagem pela Serra dos Cardeais gostaria de conhecer a indústria de Móveis Matos, assim nos tratando.
No preâmbulo, no entanto, a senhora Magali mostrava uma intimidade com Roque que eu desconhecia. Estava escrito: - Conforme lhe falei pelo telefone, eu e o Romeu teremos um imenso prazer em conhecê-lo, incluindo sua simpatia pessoal, bonitão, para detalharmos novos pedidos, novas compras, meu caro bonitão.
Achei, que debaixo da toca dessa coelha tinha alguma armação e maquinei logo na minha cabeça que aquela visita poderia ter alguma combinação com Roque, o qual nada me contara. Os homens têm artes que a própria razão desconhece. São como as raposas: não deixam rastro.
Quando comentei com Roque sobre o assunto ele tentou desconversar. Disse que não conhecia o casal de clientes pessoalmente e não via qualquer insinuação malévola em suas mensagens.
Pelo contrário: - Será um prazer receber bem o casal, oferecer o que pudéssemos em lanche rápido e cafés para a conquista de novas encomendas, comentou.
Não sou uma pessoa submissa e preparei uma cestinha com frutas, café forte e uns sequilhos adquiridos na padaria de Sêo Badu para a recepção.
No final de semana em que o casal Fonseca passou na Matos em direção a Alagoinhas o recebemos com distinção.
A senhora desceu do carro uma caminhonete vestida num tailler ajustado ao corpo, seios protuberantes, maquiada, batom vermelho nos lábios em destaque e chegou chegando cumprimentando Roque com um aperto de mãos e depois dando-lhe dois beijos na face, coisa que nunca tinha presenciado em minha vida.
Ao seu lado estava Romeu, o esposo, um senhor de mediana idade, elegante, usando um blazer azul marinho, camisa de linho branca, sem gravata, que nos cumprimentou. Ao Roque deu um aperto de mãos e abraço forte e a mim dois beijinhos na face. Senti o seu perfume forte ao excesso para meu gosto.
- Viemos conhecer as instalações da vossa marcenaria para estreitar as relações de entendimento empresarial e dar algum suporte técnico, quando necessário, pois, nossa casa de móveis exige qualidade nos seus produtos e inovações tecnológicas, falou o Romeu.
Roque adiantou: - O casal fique à vontade e pode percorrer todas nossas instalações, somos uma empresa média, com poucos operários, porém, que zela por trabalhar com o que há de mais moderno, de fazer produtor de qualidade, e foi mostrando as dependências da marcenaria.
Confesso que achei o Roque por demais desinibido e me pareceu à vontade com aquela senhora, mais do que com seu esposo.
A visita, no entanto, aconteceu com cordialidade e nos rendeu uma grande encomenda de armários e outras peças e eu não poderia me queixar de nada. O casal fez várias fotos com seu celular de nossas instalações e também nossas e eu aproveitei para fazer fotos dela e do esposo de todos os ângulos.
Quando seguiu viagem deixou conosco seu cartão de visitas e convidou-nos a conhecer Aracaju e que teria o prazer de nos levar a algum ponto turístico da cidade ela e seu esposo.
****
Na hora do jantar tentei saber de Roque como essa senhora se mostrou tão intima dele a ponto de chama-lo de bonitão o que na linguagem comercial, de negócios, não é uma maneira de tratamento adequado. E também porque numa resposta que dera no WhatsApp disse que seria ume enorme prazer recebe-la e que estava ansioso para conhecê-la.
Roque embolou a voz e saiu com a desculpa dizendo que sempre foi uma pessoa educada, que sabe tratar a todos, e não via nada demais responder de forma carinhosa a uma cliente. E o fazia em nome do casal e não da senhora ou da madame que não conhecia pessoalmente.
E, quase sonso. teve a ousadia de citar o sonho da cobra que era de minha propriedade, a cobra que tanto me assustava, dizendo que se eu vi alguma aproximação entre os dois, são os feitiços da vida.
Não gostei da sua resposta e engoli a seco. Ainda bem que tinha as imagens dela e do marido no celular e consultaria a Baba Yaga do Umbuzeiro o que fazer para afastá-la do Roque.
Temo, no entanto, que uma serpente possa entrar em mim e provocar vibrações fazendo com que me torne um pássaro e faça voos noutros campos do afeto. Eu, que conheço bem as temperanças dos chás de folhas inclusive aqueles para acalmar e curar as feridas do amor, no impulso, disse a Roque que voltaria a procurar Samuelina para aconselhar-me.
- A bruxa do Umbuzeiro? – questionou.
- Ela não é uma bruxa e sim uma vidente - respondi.
- Bruxa, vidente, curandeira, advinha e algumas rezadeiras são todas assemelhadas e operam com o demônio, como o sapo que você viu por lá. Tenha cautela: a mão do maligno é pesada. Uma palmatória de cedro.
- Pois, que essa sua cliente saliente de Aracaju tema a baba do sapo boi ou do sapo cururu e você que escanei sua barba com sementes de mamona e seja mais sincero.
- Creio em Deus como diz o diácono Clóvis e nada temo, pois, feitiço – regra geral - vira contra o feiticeiro. E, da mesma maneira que tens ciúmes da madame que mal conheço, pelos olhares que ela deu no seu vestido, nas curvas ondulares do seu bumbum, quem deveria estar com ciúmes sou eu.
- Agora! Era só o que me faltava. Uma mulher a cheirar meu perfume, rebati.
- Não duvides. O mundo está de cabeça para baixo. Eu é que não quero que meu lar se transforme em cenário de novela. Vá consultar sua vidente que ela poderá lhe mostrar os caminhos, sinalizar os fados.
*** No próximo capitulo A GRUTA DO AMOR E A BRUXA CALONA DE VOLTA