Não representa leitura para amadores e sim para leitores que já têm um nível mais elevado de conhecimento sobretudo em filosofia básica para poder acompanhar o pensamento desse autor.
Rosa de Lima , Salvador |
25/07/2025 às 20:01
Obra no campo da filosofia
Foto: BJÁ
Depois de comentarmos o livro de Maryse Condé, “Eu, Tituba – bruxa negra de Salem” seguimos hoje falando da obra de Martin Mordechal Buber (1878/1965) filósofo, escritor e pedagogo austríaco naturalizado israelense, um dos mais destacados especialistas em Hassidismo – movimento religioso do judaísmo – que o projetou no mundo intelectual do Ocidente com seus conceitos sobre a relação entre homem e Deus.
.Buber é pouco lido no Brasil salvo na comunidade judaica. Vamos abordar o seu mais famoso livro “Eu e Tu” (Editora Centauro, SP, 2001, tradução do alemão Newton Aquiles Von Zuben, 151 páginas, R$35,00 nos portais da internet), obra escrita e publicada em 1923 que trata exatamente da relação dialógica do homem com Deus, o homem sendo tratado como fim e não como meio.
Na introdução Aquiles Von Zuben este destaca que “sua filosofia do diálogo – da relação – ponto central de toda sua reflexão, tanto no campo da filosofia ou dos ensaios sobre religião, política, sociologia e educação, atingiu sua expressão madura em “Eu e Tu” graças a fonte representada pelo Hassidismo e sua mensagem”.
A filosofia, diante a leitorua de dois livros marcou a primeira e influente presença na vida de Buber entre 15 e 17 anos de idade. com “Prolegômenos” de Immanuel Kant; e “Assim Falou Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche, onde vai encontrar respostas para suas indagações.
Em Kant, verificou que o espaço e o tempo não são mais que formas através das quais efetuamos a percepção das coisas e que elas em nada afetam o ser das coisas existentes. Ou seja, é tão impossível dizer que o mundo é infinito no espaço e no tempo, quanto dizer que é finito.
Já a visão nietzscheana do tempo como eterno retorno empolgou Buber de tal forma que resolveu traduzi-lo para o polonês. Esse conceito e a crítica a liberalidade temporal, essa visão cíclica do tempo – onde os acontecimentos se repetem infinitamente – mexeu com Buber.
Para o autor, não há existência sem comunicação e diálogo. Em “Eu e Tu” o filósofo expõe as duas dimensões humanas sendo o Eu sujeito-sujeito; e o Tu sujeito-objeto.
“O mundo é duplo para o homem, segundo a dualidade de sua atitude. A atitude do homem é dupla de acordo com a dualidade das palavras que ele pode proferir. As palavras princípio não são vocábulos isolados, mas pares de vocábulos. Uma palavra princípio é o par Eu-Tu. A outra é o par Eu-Isso no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir Isso por Ele ou Ela. Deste modo o Eu do homem é também duplo. Pois, o Eu da palavra-princípio Eu-Tu é diferente daquela da palavra princípio Eu-Isso”, diz o autor.
A palavra, em si, é o fundamento da existência humana. Von Zuben destaca que o livro “Eu e Tu” é uma reflexão sobre a existência humana com uma abordagem antropológica sobre o sentido dessa existência”.
A problemática de Deus – ainda segundo Von Zuben – ponto importante nas obras de Buber “é integrada na questão da pessoa humana, ser de relação. Assim, Deus será o Tu ao qual o homem pode falar e nunca algo sobre o qual ele discorrerá sistemática e dogmaticamente. O Tu eterno é aquele que nunca poderá ser um Isso. A intuição fundamental de Deus – na visão de Buber – é entender o novo tipo de relação que o homem pode ter com Deus, porque para o homem não importa talvez o que Deus é em sua essência, mas sim o que Deus é em relação a ele, homem. Deus é, pois, aquele com o qual o homem pode estabelecer uma relação inter-pessoal”.
Ou seja, a existência de Deus ultrapassa a dicotomia sagrado-profano para a realidade da existência humana. Um sentido ontológico (da existência do ser) além da metafísica pura com uma abrangência múltipla ou múltiplas atitudes que o homem pode apresentar diante do mundo.
O livro de Buber é de ampla complexidade. Não representa leitura para amadores e sim para leitores que já têm um nível mais elevado de conhecimento sobretudo em filosofia básica para poder acompanhar o pensamento desse autor. A obra está dividida em três partes: palavras, história e Deus.
Em palavras o autor considera que o mundo da relação se realiza em três esferas: A primeira é a vida com a natureza – a relação acontece como uma penumbra como aquém da linguagem; a segunda é a vida como os homens – relação manifesta e explicita onde se pode endereçar e receber o Tu; e a terceira é a via com os seres espirituais – relação silenciosa que gera a linguagem. Para Buber, “fazer é criar; inventar é encontrar. Dar forma é descobrir. Ao realizar eu descubro. Eu conduzo a forma para o mundo do Isso. A obra criada é uma coisa entre coisas, experienciável e descritível como uma soma de qualidades. Porém, aquele que contempla com receptividade pode amiúde tornar-se presente em pessoa”.
Sobre a história conceitua que a história do gênero humano. Embora possam separar-se uma da outra, estão de acordo em todo o caso em um ponto: ambas manifestam um crescimento progressivo do mundo do Isso.
“Não há duas espécies de homem; há, todavia, dois pólos do humano. Homem algum é puramente pessoa, e nenhum é puramente egoístico. Cada um vive no seio de um duplo Eu. Há homens, entretanto, cuja dimensão de pessoa, é tão determinante que se podem chamar de pessoas, e outros cuja dimensão de agotismo é tão preponderante que se pode atribuir-lhes o no nome de egótico. Entre aqueles e estes se desenrolam a verdadeira história”.
Na relação do Deus – a terceira parte do livro – “a exclusividade absoluta e a inclusividade absoluta se identificam () Afastar o olhar do mundo não auxilia a ida para Deus; olhar fixamente nele também não faz aproximar de Deus; porem aquele que contempla o mundo em Deus, está na presença d’Ele”.
São narrativas filosóficas maduras e que merecem atenção especial dos leitores.
“O encontro com Deus não acontece ao homem para que ele se ocupe de Deus, mas para que ele coloque à prova o sentido da ação no mundo. Toda revelação é vocação e missão”, sinaliza Buber no posfácio. E ficamos por aqui deixando que cada leitor faça sua interpretação do texto buberiano que está a completar 1 século se segue atual.
Em tempo de muito alarido sobre o uso da Inteligência Artificial e da Robótico os sábios conceitos filosóficos se mantém vivos e em pé.