Cultura

A FOME EM GAZA UTILIZADA COMO ARMA POLÍTICA por LILIANA PEIXINHO

Liliana Peixinho * Jornalista, ativista humanitária, produtora de conteúdos em midias independentes como Movimento AMA, REAJA, Mídia Orgânica, O Outro no Eu, Cuidar de quem Cuida, Catadora de Sonhos
Liliana Peixinho ,  Salvador | 28/07/2025 às 18:14
Caminhão de comida cercado pelo povo com fome
Foto: Seramov
  A fome e a desnutriçao, estão espalhadas mundo afora, e faz tempo . Quando há concentração num pequeno espaço, como Gaza, com cerca de dois milhões de pessoas em sofrimentos múltiplos, o horror chama atenção.

  Utilizada como arma política de guerra, a fome e seus entornos, reflete o faz de conta que faz.
A logística da distribuição de sacos de farinha e arroz, lançados por aviões nesse ambiente frágil, além de burocracia criminosa cara e ineficiente, é desumana, promove mais horror. A imagem de pessoas, em inanição, fracas, cadavéricas, andando aos tropeços, feridos, com sacos nas costas, intensifica o retrato da desumanidade, da falta de respeito à mínima dignidade de quem luta para sobreviver, às mínguas.

  Quando o seu bem estar se atrela ao bem estar do outro, a vida e seus entornos exige mais que coragem para enfrentar e subverter dor em ação; exige compromisso em não querer faz de conta, blá, blá,.blá, discursos bem elaborados para serem lidos e registrados em fotos, em não aceitar mentiras como verdades, não se incomodar com injustiças que dilaceram a alma.

  Os recentes arranjos burocráticos para levar alimentos a Gaza "É uma distração, cortina de fumaça. São
ineficientes, caros, não resolvem", alertam os mais atentos.

  São mais de dois milhões de pessoas que enfrentam uma grave escassez de alimentos e outros produtos que possam garantir a mínima sobrevivência, depois de mais de 20 meses sem trégua.

   O atual cenário de desumanidade em campo de luta com armas onde a fome é instrumento de guerra, passou a exigir mais sacrifícios de vidas desnutridas até daqueles que tentam cuidar do que restou do outro, como médicos, jornalistas, ativistas de direitos humanos

   Do longe que ficou perto, temos informações do horror humanitário em Gaza. Apesar de nos abalar, também nos imobilizam. Na guerra, a comunicação também é arma em burocracias criminosas. Entre os fatos, muitas versões. E entre as muitas dores em campo minado, o poder, sem dores, de diverte, jogando bolinha em campo de golf.

Quem cuida, precisa de cuidado

Na última semana deste mês de julho mais de 100 agências e organizações humanitárias, entre elas Save the Children, Oxfam e Médicos sem Fronteiras, publicaram comunicado conjunto em que denunciam o que classificam como "fome generalizada" em Gaza. Corpos de profissionais voluntários que trabalham em ajuda humanitária também estão sendo consumidos, afirma o documento.

"A cada manhã, a mesma pergunta ecoa em Gaza: 'Será que vou comer hoje?'."

Um trabalhador humanitário, que presta apoio psicossocial no território, falou do impacto devastador sobre as crianças. "Elas dizem aos pais que querem ir para o céu, porque ao menos lá tem comida", destacam as agências.

"Os palestinos estão presos em um círculo vicioso de esperança e angústia, aguardando assistência e cessar-fogo, apenas para descobrir que as condições estão piorando", afirma o comunicado.

Sobrevivência miragem

"Não é apenas um tormento físico, mas também psicológico. A sobrevivência é apresentada como uma mera miragem."

"Enquanto o cerco imposto pelo governo israelense mata de fome a população de Gaza, os trabalhadores humanitários se juntam às filas para receber alimentos, arriscando serem baleados, para alimentar suas famílias";

O "cerco total" em Gaza tem "gerado caos, fome e morte".

Há "taxas recordes" de desnutrição aguda, especialmente entre crianças e idosos.

"Nunca imaginamos que existiam países que pudessem declarar guerra contra civis — crianças, mulheres e idosos — e cortar o fornecimento de ajuda humanitária e médica. Nunca imaginamos que, 18 meses depois do início da guerra, a situação poderia piorar tanto a ponto de não encontrarmos um leito de hospital para um paciente com leucemia... nem leite em fórmula para um bebê com fome" declarou.

"Quero contar que, na semana passada, transitei entre o horror das cirurgias e o caos dos feridos, e logo depois de um dia longo no trabalho, descobri que faltava comida nos mercados.

"Desabamos de cansaço e tentamos esquecer a fome. Mas nunca vou esquecer das lágrimas das mães na porta do hospital implorando por leite em fórmula para seus bebês"

Na terça-feira, 22 de julho, foi informado que 33 pessoas, incluindo 12 crianças, morreram por desnutrição nas últimas 48 horas, elevando o total de mortes por desnutrição para 101, sendo 80 crianças. Na quarta-feira (23/07) foram informadas outras 10 mortes por desnutrição.

Desde então, os ataques de Israel mataram pelo menos 59.029 pessoas, incluindo mais de 17 mil crianças, e feriram mais de 142 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

Falta X ostentação

No cenário além guerra localizada, a fome, a desnutrição, a gula, a fartura, a falta, o desperdício, a ostentação, se espalham, planeta afora, sem distinção. Comportamentos entre produção, consumo e descarte escancaram a grave doença do corpo social, seja em Gaza, nos EUA, no Brasil, na India, nos países africanos e outros mundos, planeta afora.

A concentração de riqueza e seus links de desdém com a vida dos que lhe proporcionam isso, tem revelado o comportamento de anestesiamento humano. A morte em série, lenta ou gradual, o descaso com a vida, a cegueira, a degradação da matriz ambiente sob justificativas econômicas de progresso, parecem alheias às faces do retrato da banalização da miséria, da desigualdade acirrada. O comportamento do "né comigo não" , "não posso fazer nada", "é assim mesmo", "só deus na causa", destroem-nos, a nós todos, uns mais e outros menos, e de forma rápida.

Sinais de um comportamento onde a humanidade não quer se aperceber que o mal que sofre um, de alguma forma, chegará ao outro. Não é praga, religião.É Ciência..É observação apurada. É fato checado. É visibilidade pública. É disseminação da realidade.

É compromisso de quem quer buscar, pesquisar, se interessar em enxergar, sentir, absorver. É fato, é constatação da realidade, é observação detalhada. É olhar ampliado sobre o todo, onde tudo, exatamente tudo, está ligado, intrincado, dependente.