Cultura

ENCONTRO ARTES ACONTECE EM OITO ESPAÇOS DE SALVADOR, CANDEIAS E MADRE

Festival como festividade em zona de conflito, o IC17 acontece em oito espaços de Salvador, além de se expandir para Candeias e Madre de Deus
Paula Berbert , Salvador | 04/08/2025 às 11:58
Erupção, o levante
Foto: Mayra Azzi
17ª edição do IC Encontro de Artes é de “Festa no Front”
 
“Festa no Front”: esse é o chamado da 17ª edição do IC Encontro de Artes, que acontece entre os dias 20 e 31 de agosto em Salvador, Candeias e Madre de Deus – pela primeira vez em sua história, se expandindo em outras cidades além da capital, onde as atividades ocupam oito diferentes espaços. 

O festival apresenta artistas e trabalhos que pensam os sentidos da festa, que aparece como rito, celebração, desvio, crítica ou como território onde o corpo transborda sua função social e inventa outras formas de presença. Estão na grade as obras “ERUPÇÃO – O levante ainda não terminou”, da coletivA ocupação (SP), “Repertório N.2”, de Davi Pontes e Wallace Ferreira (RJ), “Candomblé da Barroquinha”, do DAN Território de Criação (BA), “DEBANDADA”, do Debonde (RJ), “CAVUCADA – a festa não será amanhã”, da Cia Dançurbana (MS), e “Há uma festa sem começo que não termina com o fim”, do Pavilhão da Magnólia (CE), junto a shows de Juliana Linhares (RN) e IGBADU – Orquestra de Berimbaus de Mulheres (BA), “Mini Ball” com House of Mamba Negra (BR) e cortejo com o Bloco De Hoje a Oito (BA). Para completar, tem o “Intercâmbio artHIVismos” com Szymon Adamczak (POL/HOL), oficinas, residência artística e bate-papos. A programação tem atividades gratuitas ou ao preço de R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia). Informações e ingressos estão disponíveis em www.icencontrodeartes.com.br.

Desde 2006, quando foi criado, o IC, que é realizado pela Conexões Criativas em parceria com a Dimenti Produções Culturais, tem suas edições orientadas por um lema: uma questão motivada por inquietações contemporâneas que orientam a composição da curadoria da programação. “Pensar o IC17 como festividade em zona de conflito é assumir que a arte não está fora da crise: ela acontece com a crise, no conflito, contra a lógica que exige que se produza uma suposta paz onde há urgência. É afirmar que palco, rua, corpo e gesto podem ser armas sensíveis de criação e crítica. É permitir que a festa seja não só alívio e distração, mas também espaço de elaboração política e coletiva”, descreve o coletivo curador, formado por Ellen Mello, Jorge Alencar, Larissa Lacerda e Neto Machado.

Deste modo, o mote curatorial “Festa no Front” convida a pensar festa e luta não como opostas, mas como forças que se atravessam mutuamente. Nem só escape, nem só enfrentamento: a festa como desvio radical da norma, a guerra como o deslimite insuportável de uma sociedade colapsada. “No limiar entre colapso e resistência, o corpo se move. O corpo é capaz de dançar com a violência e com a escassez como gesto de invenção, afirmação e sobrevivência. Diante do excesso de controle e do apagamento, o corpo festivo pode carregar o desejo. Como trincheira, tambor e barricada. ‘Festa no Front’ como linha de frente de outras éticas em tempos de barbárie”, completa o quarteto de curadoria.

O IC17 tem patrocínio da Transpetro, por intermédio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), do Ministério da Cultura, via programa Transpetro em Movimento. Também conta com apoio financeiro continuado do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia, contemplado pelo Edital de Eventos Culturais Calendarizados. Tem apoio da Secretaria de Educação e Prefeitura de Candeias, Prefeitura de Madre de Deus, Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Goethe-Institut Salvador-Bahia, Promo Mídia, Midia Bus, Educadora FM e TVE Bahia, além de apoio institucional da Escola de Dança da Funceb, do Espaço Cultural da Barroquinha, do Teatro Gregório de Mattos e da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura de Salvador.

MOSTRA ARTÍSTICA EM SALVADOR – A abertura oficial do 17º IC Encontro de Artes em Salvador, no dia 27 de agosto (quarta-feira), às 19h, vai ser com a coletivA ocupação (SP) com seu segundo potente espetáculo: “ERUPÇÃO – O levante ainda não terminou”, no Teatro Experimental (Escola de Dança da UFBA). Uma cena de festa e guerra, onde teatro, dança e performance espiralam o tempo. Quinze performers se transfiguram em seres de diferentes cosmologias e tempos. A erupção como pulsão é traduzida em gestos, corpos que encarnam revoltas do passado e presente. Entre os tremores da experiência da colonialidade, pergunta em um contexto de luta: o que é o fim de mundos e a criação de novos?

Logo em seguida, para celebrar esta primeira noite, na área externa do Teatro Experimental, às 20h, terá festa feminista e de descolonização com a IGBADU – Orquestra de Berimbaus de Mulheres (BA). O coletivo é formado por capoeiristas de diferentes gerações, estilos de capoeira, posições hierárquicas, bem como de diferentes grupos e organizações das capoeiristas, que têm em comum o reconhecimento sobre a importância do berimbau em suas formações, rompendo barreiras impostas às mulheres de gerações anteriores. Reunir estes instrumentos nesta malta de mulheres é apontamento de um futuro já em curso.

Na quinta-feira, 28 de agosto, às 19h, no Teatro Gregório de Mattos, entra em cena um dos espetáculos mais celebrados no circuito atual das artes pelo mundo: “Repertório N.2”, de Davi Pontes e Wallace Ferreira (RJ). A coreografia parte da questão “Como criar uma dança de autodefesa?” e incorpora técnicas não convencionais e informais de práticas autodefensivas. Através da mimese, de padrões rítmicos e de poses, a dupla expande as percepções de tempo e espaço, enquanto constrói uma leitura crítica da história da dança, investigando vocabulários de movimento que dialogam com a ética negra.

Às 20h, descendo para o Espaço Cultural da Barroquinha, estará o grande sucesso da atualidade do teatro baiano: “Candomblé da Barroquinha”, do DAN Território de Criação (BA). Ascendência, memória e encantamento, pedindo licença para pisar em solo sagrado para fazer uma ode ao Candomblé Ketu, maior e mais popular nação do Candomblé no Brasil. Com direção de Thiago Romero, vencedor do Prêmio Bahia Aplaude este ano por este trabalho, texto de Daniel Arcades e elenco potente, a montagem celebra o povo negro diaspórico, trazendo à cena as vivências cotidianas de Marcelina, uma jovem abian, e da comunidade à sua volta, para contar a história de três princesas africanas chegadas à Bahia na condição de escravizadas, que teriam fundado, no bairro da Barroquinha, o mais antigo templo de culto africano do país.

No dia 29 (sexta-feira), às 17h, o IC vai para a rua com “DEBANDADA”, do Debonde (RJ), que se une a artistas da Bahia do Grupo UZARTE e da Escola de Dança da Funceb para esta apresentação, que ocupa o Terreiro de Jesus (Pelourinho). Uma intervenção urbana itinerante que atravessa e é atravessada pela rua, num movimento estrondoso no qual artistas da dança passam, arrastam, sustentam, rabiscam e ocupam o espaço urbano, realocando as conotações estigmatizadas que a rua e os seus corpos carregam.

Às 19h, na Casa Preta Espaço de Cultura, tem o espetáculo-festa “CAVUCADA – a festa não será amanhã”, que comemora mais de duas décadas de história e intensa atuação da Cia Dançurbana (MS), rememorando coreografias do repertório da companhia e apresentando danças festivas de diversas referências. Com direção de Jorge Alencar e Neto Machado (BA), a peça mostra o que em nós se prende, balança, despenca e se expande quando dançamos.

Depois, a partir das 20h, a Casa Preta se abre para o “Mini Ball” da House of Mamba Negra (BR), coletivo artístico Ballroom nascido em 2019, com atuação em várias partes do país, que deseja colocar o corpo como potência de criação e garantir a continuidade de narrativas insurgentes. Nessa noite, o grupo reúne a comunidade Ballroom de Salvador em uma celebração da vida de corpos dissidentes. A competição terá quatro categorias – beleza, estética, moda e performance –, com prêmios em dinheiro.

No sábado, 30 de agosto, o IC17 se instala no Goethe-Institut Salvador-Bahia. Às 18h, no Teatro, será apresentado “Há uma festa sem começo que não termina com o fim”, do Pavilhão da Magnólia (CE), grupo vencedor na categoria Destaque Nacional no 35º Prêmio Shell de Teatro. Rito coletivo de festa e de teatro, a peça é uma celebração da memória e da experiência. Quatro artistas, tal qual páginas soltas de um livro, folheiam o tempo e convidam o público a percorrer a experiência.

Juliana Linhares (RN) faz show no Pátio do Goethe-Institut às 20h. A festejada e vibrante cantora, compositora e atriz potiguar traz a potência de sua obra que exalta um Nordeste luminoso, desconstruido de estereótipos, com narrativas próprias. Seu trabalho irradia beleza e alegria, além de inquietudes de uma mulher atenta aos desafios dos nossos tempos.

O encerramento do IC17, no domingo, 31 de agosto, bota a “Festa no Front” em seu solo certeiro: o cortejo nas ruas. O Bloco De Hoje a Oito (BA) anuncia que “Hoje é dia de retomada”, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, da Cruz do Pascoal até o bar Oliveiras, onde haverá feijoada. Fundado em 2011 a partir de um movimento independente, o DHJA8 consolidou-se como uma expressão de autenticidade e criatividade no carnaval de rua em Salvador. Reúne artistas e amantes do samba em torno de um projeto coletivo que valoriza a autonomia, a música autoral e a gratuidade do acesso à folia. Em anos recentes, prestou homenagens a figuras simbólicas da resistência, como o mestre Moa do Katendê, criador do Afoxé Badauê, assassinado durante as eleições de 2018; a vereadora Marielle Franco, vítima da violência política no Rio de Janeiro; e Flávio Oliveira, fundador do bloco, vítima da gestão irresponsável da pandemia de Covid-19 no Brasil.