Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA JUNG E A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS, JAMES A. HALL

Haal acentua que “as experiências vígeis e oníricas não estão em oposição primordial. Não há um misterioso mundo onírico em completa oposição ao mundo a um ‘mundo diurno’ totalmente objetivo”.
Rosa de Lima , Salvador | 09/08/2025 às 08:21
Jung e a interpretação dos sonhos
Foto: BJÁ

   O tema é fascinante e um dos mais antigos abordados pela literatura: sonhar. E, há várias dimensões do sonhar desde o poético que não está relacionado à ciência e é um livre pensar; aos sonhos do mundo vígil, dos sonhadores que pensam em transformar o mundo e elaboram em mentes desejos mirabolantes de conquistas que não conseguem realizar, alguns até tentam, Napoleão, por exemplo, quis conquistar o mundo em sua época; e há os sonhos oníricos que são analisados a luz da psicologia, a antiga, do senso comum; e a científica que só começou a se estruturar de forma mais consequente em meados iniciais do século XX.

   Já comentamos neste espaço sobre o livro verde de Sigmund Freud, “A interpretação dos sonhos”, 1900, que é considerada a obra mais lida, comentada, analisada e seguida nesse campo da psiquiatria, psicologia e psicanálise, afinal, Freud foi o pai da psicanálise. Agora, vamos comentar as analises desse mesmo tema por Carl Gustav Jung (1875-1961), discípulo de Freud, em “Jung e a interpretação dos sonhos” – um guia prático e abrangente para a compreensão dos estados oníricos à luz da psicologia analítica -por James A. Hall (Cultrix, SP, 2021, tradução Álvaro Cabral, 208 páginas, R$37,00 nos portais da internet) em que o professor James, da Universidade do Texas, depois de estudar as diferentes teorias das interpretações dos sonhos, manteve a esperança da neutralidade, por anos, mas, ao final, decidiu pela abordagem junguiana.

   Jung, como é do conhecimento público, foi discípulo de Freud, mas, com o passar dos anos desenvolveu o que se traduz como Psicologia Analítica, em que foca a importância do inconsciente na formação da personalidade. Ou seja, o inconsciente como complemento da consciência, e introduziu conceitos como arquétipos, inconsciente coletivo, individuação, que não nos cabe analisar, apenas fazemos as citações para que o leitor possa distinguir dos conceitos de Freud, que são mais cartesianos, do indivíduo, de traumas e experiências da infância.

Na psicologia junguiana, o sonho é considerado um processo psíquico natural, regulador, análogo aos mecanismos compensatórios do funcionamento corporal. Por isso mesmo, na interpretação dos sonhos de Jung, é importante não pensar nunca que o sonho se esgotou, pois, significados podem ser alterados em sonhos subsequentes havendo, assim, um diálogo que se estende indefinidamente entre o ego e o inconsciente.

 Na prática, é comum entre seres dizer que sonhou com determinado cenário e dias depois sonhar de novo com o mesmo cenário com modificações na postura, idade, vestes de participantes das cenas e outros. Ou seja, sonha-se com um familiar que já faleceu num determinado sonho vendo-o mais jovem e com um tipo de roupa; e noutro a mesma pessoa mais velha com outra vestimenta, outras posturas.

 Na abordagem junguiana dos sonhos há três etapas principais: a compreensão clara dos detalhes exatos dos sonhos; a reunião de associações e ampliações em ordem progressiva, em um ou mais de três níveis: pessoal, cultural e arquétipo; e a colocação do sonho ampliado no contexto da situação vital e do processo de individuação da pessoa que teve o sonho. 

  Portanto, a interpretação de um sonho deve ser dada no contexto da vida corrente da pessoa que o tem. Na maioria dos casos – no entendimento de Jung – os sonhos são compensatórios para a visão consciente do ego, com a oferta de um ponto-de-vista mais abrangente, uma vez que o ego tem uma visão limitada da realidade e o sonho manifesta uma tendência de ampliação dessa realidade.

  Uma pessoa sonha -por exemplo – com a praia que sempre frequenta na vida real, um mar calmo onde costuma se banhar com tranquilidade, porém, no sonho, as ondas do mar são violentas e vão lhe engolir e a pessoa acorda apavorada. 

  James analisa também os sonhos como instrumento de diagnóstico, as questões técnicas, as imagens do ego e complexos em sonhos, os temas oníricos comuns, a moldura dos sonhos, o simbolismo em alquimia, sonhos e individuação e as duas tensões da interpretação dos sonhos.

  Observando o que nos parece os desejos dos leitores para entendimento deste tema, focamos no final deste comentário os sonhos oníricos mais comuns e os exemplos abaixo são apenas ilustrativos, relacionados ao incesto, luto, casas, automóveis, álcool e drogas, morte e serpentes. Esses são os enredos mais frequentes entre as pessoas que acontecem nos sonhos.

   A morte, o medo da morte, a aproximação da morte, é muito comum de se apresentar nos sonhos e naquele momento de perigo extremo em que se encontra o sonhador a pessoa acorda e diz, ufa! Que pesadelo, que horror, e fica se remexendo na cama. Os sonhos com a morte devem ser considerados – segundo James A. Haal – “cuidadosamente no contexto, pois a morte de figuras oníricas nunca se refere à morte real”.

  Sobre sonhar com serpentes o autor comenta que as cobras aparecem em sonhos nas variadas formas que exemplificam os inúmeros significados arquétipos, desde o significado fálico (ou serem literalmente associadas ao pênis); como podem ser associadas à sabedoria, à cura de doenças; conflitos (quando se sonha com muitas serpentes); à traição (conceito popular bem arraigado), enfim comporta vários emblemas.

   Há, ademais, entre as pessoas, tensões que passam a preocupar os sonhadores no cotidiano da vida, sobretudo entre as interpretações objetiva (vida normal) e subjetiva (do inconsciente, da psiqué) levando-as a terapia. 

   Haal acentua que “as experiências vígeis e oníricas não estão em oposição primordial. Não há um misterioso mundo onírico em completa oposição ao mundo a um ‘mundo diurno’ totalmente objetivo”. Ou seja, a experiência consciente vígil e a experiência em sonhos constituem complementos “igualmente misteriosos de uma unidade potencial: o processo de individuação. Os sonhos se dissipam com rapidez, mas o mesmo ocorre (embora mais devagar) com as realidades “sólidas” da vida.

  O autor contextualiza: “O sonho é um fragmento de realidade cuja origem é pessoa, mas obscura; cujo significado é fecundo, mas incerto; e cujo destino do mundo vígil está em nossas próprias mãos”.