Cultura

NIVALDO DAMASCENO O MAIOR DATILOGRAFO DE ITABUNA, por WALMIR ROSÁRIO

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
Walmir Rosário , Salvador | 15/08/2025 às 10:54
É fantástico, é Damasceno
Foto: Seramov
  Nisvaldo Damasceno era uma figura ímpar. Nascido em Anuri, distrito de Arataca, chegou ainda menino em Itabuna e logo se ambientou no bairro da Conceição. Bom aluno, sempre passava de ano com distinção e louvor nos cursos primário e ginasial. Era reconhecido pela sua intimidade com o a gramática portuguesa, matemática e outras disciplinas.

Com a mesma intensidade em que se debruçava nos livros se ambientava bem nos bares da vizinhança, que para ele não era apenas um local onde se praticava o esporte etílico, mas também a poesia. Enquanto apreciava as cervejas geladas declamava com intimidade os versos de Gregório de Matos, Castro Alves, Sosígenes Costa e outros que tais.

Exímio na datilografia e na língua portuguesa, desde cedo se especializou nos textos cartorários. Datilografava compromissos, escrituras de compra e venda e as certidões mais diversas, com o mais legítimo português adaptado aos termos jurídicos, sem erros e em tempo recorde, impressionando os serventuários dos cartórios extrajudiciais e clientes.

Enquanto trabalhava as pessoas ficavam embasbacadas ao acompanharem a velocidade com que seus treinados dedos batiam nas teclas, além do movimento que fazia na alavanca para dar o espaço
vertical, imprimindo um barulho característico. Com um simples toque numa das teclas movimentava o cilindro para frente criando parágrafos.

Parecia que as finas teclas da máquina iriam derreter diante da rapidez de movimentos. Era um assombro.
E o seu conceito de excelente datilógrafo ganhou a cidade de Itabuna, tanto assim que volta e meia faturava mais do que o salário do cartório com os serviços particulares, prestados fora do expediente. 

Mais dinheiro no bolso permitia a Damasceno dar bordejos pelos cinemas, bares, enfim, frequentar os melhores divertimentos que a Itabuna da década de 1950/60 dispunha.

E o seu conceito profissional chegou às grandes empresas. Com a ampliação da Ceplac logo foi convidado a trabalhar na Divisão de Comunicação (Dicom), como copy desk, revisando textos, muitas das vezes
transferindo-os dos pesados gravadores para o papel as matérias trazidas pelos repórteres para a produção de releases, jornais e livros.

Numa simples máquina de datilografia (Royal, Underwood, Remington, Olivetti, Corona, Hermes), Damasceno conseguia tirar recursos inimagináveis, e assim passou a ministrar cursos internos na Ceplac.
Quando a Ceplac comprou uma IBM Composer (de esfera) ele foi o primeiro a trabalhar com ela. Sentia-se como dirigisse um Cadilac do ano, zero quilômetro.

E Damasceno era aquele colega para toda a obra. Festeiro por excelência, às sextas-feiras iniciava farras homéricas no Beco do Fuxico, especialmente no ABC da Noite, do Caboclo Alencar, onde era um dos mais famosos alunos repetentes. No bar de Dortas disputavam as poesias com o dono do bar até que o último freguês resolvesse abandonar o ambiente.

Para Damasceno a noite era uma criança e qualquer porta aberta com garrafas cheias e geladas para ele era um abrigo. Nos locais que ainda não era conhecido, já com a alegria em alta, não pestanejava em dizer que era de boa paz, gente de bem, e dono da empresa que tinha dezenas de jipes pretos rodando pelo sul da Bahia. Eram os jipes da Ceplac.

E tudo que Damasceno fazia era com disposição, muitas vezes amanhecendo o dia na Dicom tirando os textos dos nossos gravadores e revertendo-os no papel para a diagramação, amparado por um galão
térmico com café. Certo dia termina sua empreitada e pega uma carona para casa, na qual descansaria até o meio-dia e retornaria à tarde para uma nova rodada de trabalho.

Na esquina da avenida Amélia Amado com a São Vicente de Paula, no conhecido canal da Amélia Amado, desce do carro da Ceplac, agradece a carona e dá meia volta para se dirigir ao seu lar. Eis que de repente surge um fusca desgovernado que o atinge e lhe joga no canal, fugindo sem prestar socorro. Com sono e agora todo sujo pelo esgoto, inicia a subida pelo talude e ao chegar na calçada, uma multidão lhe olhava com desdobrada atenção.

– Olha aí, em plena manhã já com a cara cheia de cachaça cai no canal –, o esculachavam sem conceder o mínimo direito de defesa. Um deboche e fake news.

Não restou alternativa ao amigo Damasceno do que ir a pé até sua casa, tomar banho, dormir um pouco e retornar ao trabalho logo após o almoço, para encarar os imensos textos que teria que “bater” (digitar) na IBM Composer e revisá-los para as publicações ceplaqueanas. Nem mesmo o inusitado acidente o desviou de sua responsabilidade.