TF é o jornalista Tasso Franco,
Tasso Franco , Salvador |
31/12/2025 às 11:50
Cantídio e Edgard descem a José Satiro para ir às compras no Nix
Foto: SERAMOV
Dois senhores da alta idade desciam a ladeira José Sátiro e Oliveria que liga a Morro Ipiranga ao Chame-Chame, Salvador, na véspera da virada do ano 2025-2026, em direção ao Super Nix para comprar alguns petiscos - quibes, pães, empadas, queijos, etc – à noite da virada. Complementos porque o principal a torta de camarões e a champagne já estavam encaminhados no forno e no freezer.
Dizia um deles ao outro que o ano à beira da morte faltando poucas horas para seu fim deveria ir embora com rapidez, pois, inglório se passou com a carestia dos preços em tudo infernizando a vida das pessoas, sobremaneira a dele um reles barnabé.
Permita-me, então, apresentá-los para que não restem dúvidas acerca desses personagens, um dos tais, de nome Edgar Vilalva Fonseca, amasiado com a desembargadora dos Feitos, Hortência Fonseca, senhora de grandes atributos, olhos cor de mel e avantajada bunda, a parecer com uma tanajura, também possuidora de fortuna em terras no Itapicuru, gado e ouro. Além, óbvio, da gorda aposentadoria do tribunal mês a mês depositada em sua conta bancária.
Edgar reside na rua Dr. Rubem Chaves, frequenta com assiduidade o maior centro comercial da área, o Barra - mais a passeio do que a compras – e é conhecido por escrivão Vilalva. Aposentado da Segurança, tem porte de homão ossudo, belo, ostenta vasta cabeleira ainda negra da tintura que usa e se intitula servidor de baixa esfera aposentado. Anda sempre a se queixar do soldo baixo que recebe. Mas ainda assim sobra-lhe boa vida graças a generosidade de Hortência.
O outro camarada em foco é o cirurgião dentista Cantídio Gomes, afortunado em clientes e com consultório sempre com fila de espera, profissional de grandes méritos, considerado careiro para os ricos e barateiro para a classe média endividada, casado com a doutora Tassiana Gomes, especialista em medicina do emagrecimento, consultório sempre lotado de clientes e conta alta no banco. Uma consulta de minutos com ela deixa-se com a secretária Pompéia a fábula de 800 reais, sem convênios.
Ambos, aliás, têm uma boa vida em lazer e conforto, apreciam o fino, o caro, o especial. Cantídio sempre diz aos clientes quando alguém pergunta sobre a beleza do mocassim que usa ou a gravata Hermès que está sempre emoldurando seu pescoço. – Coisa boa, só cara, de grife, em especial francesa.
A queixa sobre a carestia partiu, pois, do escrivão Vilalva sugerindo ao amigo, ambos residentes no bairro da Barra, lugar ao que dizem da nobreza ondem moram por lá ainda nos dias em curso parentes do marquês de Bomfim, do conde Xavier e outros mais coroados, que deveriam comprar os acepipes na Lanchonete Sergipana, na Afonso Celso.
- No Sergipe, o quibe custa 4 reais; a coxinha da gorda, papuda, lustrosa como os óleos de Tiziano, 5 reais; o calzone 8 reais um pedaço imenso recheado com peru; a empada média 3 reais, a empada com camarão 4.5 reais. Faremos uma boa economia – comentou Edgar.
Ora, meu nobre comissário (o amigo gosta de chama-lo de comissário por entender ser um cargo mais alto do que escrivão e compatível com a sua grandeza – no Nix os produtos são melhores, não chegam aos pés do Bento ou do Vida Gula, mas, creio, nossas esposas merecem distinções e não ficam bem na fita, nas fotos, nos vídeos, saboreando os quibes do Sergipe ou da Carrocinha da Vovó.
- Não vejo demérito nisso – arrematou Edgar já se aproximando do Nix – um quibe é sempre um quibe e as coxinhas do Sergipe são as melhores da Bahia, sem trocadilho.
- Pare de pechincha e antes de entrarmos no Nix passemos no Victória Center para apreciarmos a decoração natalina que está um primor. Também aproveitarei para tirar no banco eletrônico duas notas de 50, pois, não gosto de andar liso. – Homem que anda liso não tem valor, acrescentou.
Seguiram em frente. O sol estava de cozinhar o juízo. Cantídio, ao menos protegia parte da careca com o uso de um boné português e Edgar portava seu velho chapéu de feltro ainda da época da ativa, desbotado pelo tempo e repleto de manchas, presente que lhes deram os servidores da repartição no Natal de 2001, da virada do século.
Edgar ajustou o chapéu na cabeça, retirou-o para dois toques na aba a fim de espantar um mosquito e seguiu dialogando: - Aquele foi um bom ano, Uma Odisséia no Espaço – se referia a 2001 - mostrava com orgulho o chapéu que completava 26 anos de existência. E refletia: - Quando se faziam produtos de qualidade e baratos no Brasil, não existiam essas porcarias chinesas que duram apenas um Carnaval e derretem no sol. Daqui a pouco vamos também comprar quibes e empadas chinesas do que jeito que as coisas andam.
- Não seja alarmista. A Bahia produz bons picolés e os melhores pães delicia do país, rosquinhas de goma de SAJ e diversos petiscos da Tia Vônia, rebateu Cantídio.
***
E assim chegaram ao Nix, Cantídio dirigiu-se a um canto da loja e pegou um carrinho de porte médio para acomodar as suas compras e Edgar uma cestinha de mão.
Cantidio achou estranho que o amigo se municiasse apenas de uma cestinha que mão daria meia dúzia de pães e duas garrafas de tinto. Nada lhe disse, porém, ficou a observá-lo.
- Beleza de supermercado – comentou ironicamente Cantídio ao pé do ouvido de Edgar – colocando em seu carrinho dois litros de sucos de laranja processados, in natura, dois melões e uma dúzia de maças argentinas e observou pelo canto do olho se Edgar já tinha acomodado algum produto em sua cestinha. Por enquanto, estava zerada.
Ao chegarem na área da padaria – a essa altura o carrinho de Cantídio já abrigava mais duas pizzas, um corte de picanha e uns pastéis em caixa da Beara – ouviu o amigo solicitar a atendente para embrulhar dois quibes, uma fatia de calzone, uma baquete de pão a moda francesa e duas empadas de frango. Adiante, acomodou no canto da cesta 5 pães de milho e 4 cacetinhos.
Cantídio deu vontade de dar risadas, porém, nada falou. Afinal de contas seu amigo, embora barnabé em aposentadoria, é casado, digamos assim porque amasiado e casado é a mesma coisa desde que a pessoas seja viúva com o a graciosa Hortência, a qual, por vistosos mules de grife que usa nos pés, sua grandeza como desembargadora dos Feitos & Fatos merecesse algo melhor.
Enfim, chegaram à área dos vinhos, queijos, presuntos, cervejas importadas e tudo do melhor Cantídio procurando a Chandon para espoucar da entrada do ano novo, quando se depararam com o político da Casa Alta, senador Penaba Albuquerque e esposa que estavam em compras com o carrinho a transbordar do bom e do melhor, a se notar, garrafas de Chandon das grandes, queijos em cuia do Valmira, vinhos do Alentejo, presuntos da Itália.
Uma imensa alegria tomou conta do ambiente, se cumprimentarem em apertos de mãos e abraços, o político dando aqueles tapas nas costas dos interlocutores com técnica, mão em concha de modo a não doer as costas alheias e provocar sons altos como os dos trovões.
- Que prazer - Cantídio retribuiu o forte abraço em Penalba, enquanto Edgar punha a sua cesta de compras no chão para fazer o mesmo.
Momento de grande alegria dos velhos conhecidos, Cantídio tinha colocado uma chapa na arcada superior na senhora esposa do político, a Dona Nora, muito prazerosa em sorriso ostentando a moldura em louça com satisfação.
A vida seguiu adiante. O senador e a distinta senhora se encaminharam para o caixa, enquanto Edgar colocou na cestinha uma garrafa de Júlia Florista um tinto português que ele considerava de alta qualidade e foi aos queijos pondo 220 gramas de um espanhol fatiado, cor de tangerina.
Cantídio morria de rir, interiormente, ironizando com seus botões que a desembargadora Hortência teria uma noite de virada econômica, paupérrima para seu padrão, mas, como se defendia Edgar: - Dentro do que posso honrar em compromissos com o banco.
E assim foram ao caixa e por lá ainda encontraram Penalba fechando a sua conta e pagando-a em notas de 200 reais, novinhas, cheirosas, ao vivo e a corres, retirada da pochete com marca vistosa de uma grife da França, o Y enorme na testada, retirando-se por um elevador para pegar sua Hilux no andar térreo do Nix.
Enquanto isso, os amigos também passavam as compras no caixa atendido por uma jovem de cabelos decorados em forma de flores na testa, creio, margaridas. Cantídio pagou o devido com cartão onde se lia sem limites; e o barnabé também assim o fez, porém, antes perguntou a atendente se recebia tíquetes.
A jovem olhou o tristonho senhor e disse que o Nix aceitava parcelar as compras. Ele assim procedeu, parcelou-as em 3 vezes de 60 reais, uma vez que sua despesa deu a absurda quantia de R$180,00. Ainda perguntou a menina se não havia um calendário ou folhinha de brinde.
Ora, ora, Cantídio balançava a cabeça como um calango, rindo da prosopopeia do amigo e disse que pegaria um Uzer para subir a ladeira José Satiro até o Ipiranga, pois, suas compras eram de bom tamanho, enquanto Edgar, acomodando seu farnel numa bag de costas avisou que subiria a pé.
Já estava a desejar veloz 2026 quando o telefone de Cantídio toca e ele pede um momento para as saudações finais. Ouve do outro lado da linha a promoter de eventos e festas glamurosas da cidade Fábia Lidia afirmar que havia reservado uma mesa com 4 lugares no réveillon da Marina Club, à beira da Baía de Todos os Santos, com direito a assistir espoucar de fotos no forte do Mar, baile animado por Carlos Crown, um dos maiores cantantes do estado, danças com o grupo de Parangofé, tudo isso pela módica quantia de R$8 mil, cada casal pagando apenas R$4 mil dividido em até 10 vezes.
Cantídio achou a proposta razoável, apreciável, e ali mesmo, com o iphone em tempo de espera consultou o amigo Edgar, o qual ao saber do valor da virada quase tem um infarto, saudou-o apressadamente com um PróSpero Ano Novo para você e sua família e subiu a ladeira José Sátiro dobrando a esquerda até a Rubem Chaves, onde mora, bradando para quem quisesse ouvir que, além de não possuir esse capital para devaneios, não tinha roupas para tão evento grandioso e mundano.
Cantídio lamentou o ocorrido, dispensou a promoter alegando que, infelizmente, o seu amigo e parceiro não tinha roupa para tal convescote e chamou o Uzer para ir para casa, sorrindo a solfejos de sol.
Prospero ano novo, pois, aos meus distintos leitores e leitoras.