Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
Wldeck Ornelas , Salvador |
01/09/2025 às 09:43
Trecho Bonfim a Juazeiro devolvido à Uniáo
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Parece encaminhar-se para o final a novela da renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). O fato novo é a aceitação da última proposta da empresa por parte do Ministério dos Transportes, já formalizada perante a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os próximos passos envolvem a avaliação técnica e econômica pela ANTT e pelo Tribunal de Contas da União, para assinatura do novo contrato.
No passado, quando da concessão original, em 1996, não foram estabelecidas metas de qualquer natureza, salvo a manutenção das operações, o que, claramente, não foi cumprido pela concessionária, como bem demonstra a situação a que chegou a malha baiana da antiga SR-7 da extinta Rede Ferroviária Federal.
Neste momento, na Bahia, estão sendo devolvidos à União o trecho Senhor do Bonfim – Juazeiro, da Linha Centro, e o trecho Esplanada – Propriá (SE), a Linha Norte. Salva-se, e mantém-se, apenas o trecho Corinto (MG) – Campo Formoso, abrangendo a Linha Sul e parte da Linha Centro – agora chamada Ferrovia Minas-Bahia.
É o que resta da antiga malha, ainda assim em precárias condições, com operação limitada a 11km/hora e apenas um cliente na Linha Sul, a Magnesita, empresa de mineração localizada em Brumado, que despacha parte de sua produção em direção a Minas Gerais, onde é industrializada, e parte para o Porto de Aratu, na Baía de Todos os Santos (BTS), por onde é exportada. Também na linha Centro, outro único usuário, a Ferbasa, que transporta parte de sua produção mineral por via rodoviária, ante o atual estado da ferrovia.
Impõe-se observar que, ainda assim, a manutenção desse trecho resultou de gestões do próprio governo federal e do estado de Minas Gerais, ante a inércia da Bahia, que não conseguiu unir as suas forças em defesa da ferrovia. Mesmo agora, paradoxalmente, são muitas aqui as posições divergentes em face da solução adotada. Queixam-se uns da bitola métrica; outros do arranjo estabelecido – cujo detalhamento ainda não é conhecido – por não envolver a total reconstrução do trecho remanescente na concessão; outros tantos por conta da indispensável nova travessia do rio Paraguaçu, liberando Cachoeira e São Félix.
Quando da Constituinte, a Bahia mobilizou-se por meio de uma memorável campanha – A Bahia não se divide! – contra a fragmentação do seu território. E saímos vitoriosos. Nos dias de hoje, parece prevalecer um outro conceito: os baianos não se unem!
Apesar da clara insuficiência da solução adotada, aplica-se aqui o preceito popular de que “o ótimo é inimigo do bom”. A alternativa era não restar qualquer trecho da antiga SR-7, ante a utópica e ilusória ideia de que uma nova ferrovia poderia vir a ser construída. Isto em um contexto de acentuada crise fiscal e da desconsideração do longo prazo necessário para a concretização de novos investimentos ferroviários.
Agora, olhando para o futuro, é preciso cuidar para que o desastre anterior não volte a se repetir. Neste sentido, a Bahia precisa preparar-se, desde já, primeiro, para um acompanhamento rigoroso das obrigações, metas e condições que venham a ser estabelecidas em contrato para a execução da nova concessão. Tanto mais que, segundo consta, investimentos adicionais estarão condicionados a gatilhos correspondentes ao volume de cargas transportado. O monitoramento da implementação das cláusulas do novo contrato é algo que não deve ser deixado apenas a cargo da ANTT, como se depreende da concessão da FIOL I à Bamin.
Segundo, é preciso haver uma mobilização da Bahia em favor do uso do transporte ferroviário por parte das empresas aqui instaladas, em relação aos seus insumos e produtos, sobretudo porque a manutenção da Linha Sul se dá em nome da estratégica ligação da Região Metropolitana de Salvador (RMS) e do Polo Industrial de Camaçari com o Centro Sul do país, assim como do acesso ferroviário ao Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos (BTS-Port). A expectativa é de que a preservação dessa ferrovia possa ser um passo para o restabelecimento da ligação Nordeste – Sudeste do país.
A mobilização deve se dar em torno de uma palavra: carga. O volume e a diversificação das cargas ferroviárias é uma questão que se impõe, não sendo defeso à concessionária recusá-las por estratégia dos seus controladores. Não somente os minérios, como atualmente, mas deve ser impositivo trabalhar com os grãos, os fertilizantes, os combustíveis e a carga geral.
Neste sentido, é fundamental que seja feito um estudo das cargas ferroviarizáveis na RMS e em Feira de Santana. Que não se descarte a transferência estimada em 30% do movimento rodoviário das BR-116 e BR-101 para a ferrovia, assim como não se dispense o transporte dos veículos da BYD – o que a Ford não conseguiu fazer, supostamente por falta de interesse da concessionária. Para tanto, será indispensável que a FCA tenha, nesta nova concessão, uma diretoria comercial com mandato vinculado a uma agressiva política de captação de cargas.
Finalmente, mas não por último – e este é um outro capítulo – é preciso ter restabelecido o acesso ferroviário a Salvador, com foco no Polo Logístico de Valéria, e que venham a ser construídos os novos ramais para Maragojipe – abraçando a BTS – e Feira de Santana – o portal do Nordeste.
É tarde para chorar o leite derramado, mas não deverá ser perdoada a omissão ante os novos desafios.
A propósito, o que fará a ANTT em relação aos trechos devolvidos?