Economia

QUANTO CUSTA NÃO FAZER A PONTE SALVADOR-ITAPARICA? p WALDECK ORNELAS

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento
Waldeck Ornelas ,  Salvador | 29/09/2025 às 12:01
O polêmico projeto da ponte e suas consequências
Foto: GOV BA


No vai e vem do contrato de concessão da ponte Salvador-Itaparica, assinado desde 2021, a inconsistência e a insegurança tornam-se cada vez mais visíveis. Enquanto o Consórcio ganhador se cerca de garantias, o Estado se perde em conjecturas e aleivosias.

O projeto foi concebido sob a forma de uma PPP (parceria público-privada), no caso, uma concessão administrativa onerosa, em que o Poder Público arca com os subsídios necessários para sustentar o projeto. Nesse modelo, a concessionária, além do pedágio, recebe uma complementação financeira paga pelo ente público concedente.

O contrato tem a duração de 35 anos. O aditivo contratual foi firmado em 4 de junho de 2025 – passando a ser esta a data de referência para o cronograma –, após a intermediação do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que homologou a proposta de “conciliação” para a execução da obra.

E os valores? Pura e simplesmente saltaram de R$6,3 bilhões para R$10,4 bilhões, como se os efeitos da pandemia sobre o mercado do aço já não houvessem sido superados. Nessa onda, a participação do Estado no investimento se elevou de R$1,5 bilhão para R$3,7 bilhões, além, claro, da contrapartida (subsídio) na operação, estimada em R$6,9 bilhões ao longo de 29 anos. Serão R$371 milhões anuais nos primeiros 10 anos e R$170 milhões anuais nos 19 anos seguintes. Assim, R$10,6 bilhões é o gasto público direto para o Estado da Bahia!!!

Depois do Governador haver dito que foi surpreendido, na China, com novas exigências do Consórcio, de repente, não mais que de repente, o aditivo foi assinado, mediante garantias adicionais que teriam sido prestadas.

Agora o TCE precisa voltar à boca do palco para esclarecer que garantias foram essas e em que bases legais foram prestadas. O questionamento técnico sobre o custo das fundações leva a pressupor novos valores que, por suposto, não estão nas cláusulas do aditivo recém-assinado, não constam dos orçamentos do Estado, nem foram autorizados por Lei aprovada pela Assembleia Legislativa.

É preciso ficar claro que o contrato não envolve uma relação bilateral Brasil-China, como muitas vezes parece se insinuar. Claramente, não se trata de uma relação de direito internacional. Trata-se, apenas e tão somente, de uma relação de direito administrativo (contrato), entre o Estado da Bahia (concedente) e o Consórcio Ponte Salvador-Itaparica (concessionário), pessoa jurídica de direito privado interno, cujo capital é formado por duas empresas chinesas de construção civil. Aliás, nem o financiamento é internacional, mas do nosso Banco do Nordeste, certamente com recursos do Fundo Constitucional para o Nordeste (FNE).

Já teria, inclusive, havido alteração na estrutura do Consórcio, com substituição de uma das empresas, noticiado pela imprensa, mas sem comunicação ao Contratante, como aponta relatório produzido pela entidade de acompanhamento, contratada pelo próprio governo do Estado.

“É uma ponte rodoviária, não uma ponte urbana”, como afirma o presidente do Consórcio. Em sendo assim, os seus impactos são inquestionáveis.

Se é certo, como dizem, que cerca de 250 municípios serão impactados – isto significa que os ônibus intermunicipais deles procedentes passarão a utilizar a ponte e os seus passageiros não desejarão ir até Águas Claras – na saída para Feira de Santana – para, então, retornar à cidade. Descerão no primeiro ponto de parada em Salvador, criando um caos no bairro do Comércio.

Como efeito colateral, ocorrerá o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão da nova rodoviária intermunicipal de Águas Claras, que sequer foi ainda inaugurada, gerando novos custos para o Estado.

Outro impacto urbano evidente será o congestionamento da Via Expressa – um diferencial que somente há pouco foi estabelecido para o Porto de Salvador –, cujo acesso ferroviário teve o seu restabelecimento obstruído pelo projeto do VLT do Subúrbio.

A Concessionária já reconhece que as cargas destinadas ao Terminal de Contêineres do Porto de Salvador virão pela ponte. Ora, nessa mesma lógica, também virão os treminhões de soja que se destinam ao Terminal Portuário Cotegipe.

Embora esteja prevista uma alça rodoviária para que os caminhões com contêineres “desçam exatamente na porta do Porto”, como o desembaraço das cargas no acesso ao porto não é imediato, teremos uma fila de caminhões na própria ponte…

Como se vê, a definição de projetos isolados, fora do contexto de um planejamento municipal e metropolitano, tende a provocar conflitos múltiplos, com custos elevados – sociais e econômicos – além de graves reflexos, implicando pesados ônus para sua superação. 

A ponte segue, assim, como uma miragem que explora o imaginário popular, criando uma falsa expectativa de solução para a travessia Salvador-Itaparica, mas termina por comprometer tanto Salvador quanto a Ilha. Ainda não é percebido pela população que a ponte é mais uma solução apenas para “fazer os automóveis felizes”, no dizer do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, sem qualquer benefício para as pessoas.

Aliás, na medida em que se aproxima a perspectiva do início das obras, as pessoas começam a levantar questionamentos aos quais o projeto não responde. Esta movimentação levou, finalmente, à entrada do Ministério Público Federal na questão, no que recebeu o apoio do cibergrupo Kirimure. Cresce na sociedade a dúvida sobre a ponte. Será, efetivamente, um marco para a engenharia baiana e um efetivo vetor de desenvolvimento, como prometido?

Não é o projeto que precisa ser discutido, é a própria ponte. Não é o Consórcio quem tem que explicar, é o Contratante.

São tantas as incertezas que persistem, sobretudo a expectativa de uma nova elevação do valor da obra, a ser revelada quando da conclusão do projeto, que é necessário fazer contas e analisar a conveniência de continuar com esse imbróglio.

Diante desse cenário, é preciso perguntar: quanto custa não fazer a ponte? Sim, isto mesmo, quanto custa rescindir o contrato, vis-à-vis os bilhões comprometidos com a sua execução?

Todo contrato traz a previsão de condições para sua rescisão. Por multa, ou por outros fatores que a justifique. A criação de uma secretaria estadual dedicada ao projeto deve começar suas atividades respondendo a esta questão preliminar.

Ainda há tempo para uma decisão sensata, capaz de evitar perdas definitivas e minimizar prejuízos financeiros.