Serrinha poderia se transformar num polo turístico religioso como sendo a Nova Jerusalém da Bahia
Tasso Franco , Salvador |
17/04/2025 às 09:58
O padre Carlos Olimpio Ribeiro criador da procissão e momento nos anos 1960
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Será realizada na noite desta quinta-feira, 17, a Procissão do Fogaréu, em Serrinha, que se aproxima do seu Centenário, em 2032. Trata-se de um dos mais belos momentos religiosos da Semana Santa na Bahia.
Serrinha poderia ser (se houvesse investimentos nessa direção) a Nova Jerusalém da Bahia similar a que existe em Pernambuco, um polo de atração turística na Semana Santa uma vez que já tem tradição com a Procissão do Fogaréu, na quinta; a subida ao Monte Guarani, o Gólgota serrinhense desde finais do século XIX, na sexta; a queima de Judas, no sábado; a Procissão do Senhor Morto, no domingo e, há 13 anos, uma atividade musical e cultural, o Bacalhau da Barão.
Portanto, tem todos os ingredientes para que vingasse uma Nova Jerusalém com palco ao ar livre, encenações teatrais, área para ônibus de turistas, local para feira de artesanatos em couro e barro, enfim, um grande investimento que, necessariamente, não precisa ser público bancado pela Prefeitura ou governo do Estado.
Esses seriam atores que ajudariam no processo. O Teatro Nova Jerusalém de Pernambuco fica no Distrito de Fazenda Nova, município de Brejo de Madre Deus, e atrai turistas de todo Nordeste e até o Sudeste. E virou um espetáculo de destaque nacional.
PROCISSÃO DO FOGARÉU
Voltando a Procissão do Fogaréu quem a institui em Serrinha foi o padre Carlos Olímpio Silvio Ribeiro, de tradicional família católica serrinhense, sobrinho do primeiro intendente (prefeito) do município, Marianno Silvio Ribeiro, copiada de uma manifestação ibérica que existia em Salvador desde o século XVIII, a Procissão do Fogaréu realizada pela Santa Casa de Misericórdia, onde havia um personagem chamado de “Gato da Misericórdia”, o qual provocou tanta polêmica e arruaças, que, em 1873, a procissão foi abolida, substituindo-a pelo ato do lava-pés.
Antonio Risério, em “Santa Casa da Misericórdia, quando palavra é ação” (pág 101) relata que “o gato da misericórdia era um personagem sinistro, que ninguém nunca lhe viu o rosto, escondido sob um camisolão de cor roxa e um capaz () Na procissão era protegido pela Polícia, mas, o povo o perseguia com beliscões e gritos de miau, miau, miau gerando tumulto no cortejo que era realizado no centro da cidade”.
Quando o padre Carlos atuou na Basílica do Bonfim havia uma procissão similar (sem o Gato da Misericórdia) na Baixa do Bonfim e o padre, quando nomeado para Serrinha pelo cardeal dom Augusto Álvaro da Silva, promoveu a primeira procissão do fogaréu em Serrinha, 1932, momento em que o município sofria uma insistente estiagem (a famosa seca de 30).
A versão é de que o novo vigário, serrinhense de origem, queria implantar algo novo na Paróquia que sensibilizasse a população – urbana e rural, mais a rural do que a urbana (nessa época a população rural de Serrinha era maior do que a urbana) e também chamasse a atenção do cardeal, pois, seu objetivo maior, era sensibilizar o chefe da igreja católica na Bahia para implantar uma diocese, uma vez que o município era muito grande e ele não tinha como atender aos fiéis.
Nessa época, ainda pertenciam a Serrinha os distritos do Raso (Araci) sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição; Lamarão – com invocação a Santo Antônio; Manga (Biritinga), Nossa Senhora do Belém, Barrocas – São João Baptista. Não dava nem para o padre visitar esses locais (só uma vez por ano), pois, a Paróquia sequer possuía um carro Ford de Bigode.
SÓ PARA HOMENS
A Igreja Católica sob o comando do cardeal da Silva era no modelo triunfalista, machista, poderosa, ornamentada, bem tradicional. E padre Carlos era um representante desse naipe e só permitia a entrada de mulheres na igreja com véu na cabeça e vestido cobrindo as pernas e sem decotes. A procissão do fogaréu começou com esse modelo: só era permitido a presença de homens e assim durou por muitos anos.
O padre, no entanto, não colocou o personagem “Gato da Misericórdia” na sua procissão e o único momento de maior atenção era provocado por uma matraca – instrumento de madeira com um ferro curvilíneo que, quando acionado por um matraqueiro fazia uma zoada (prá-prá-prá-prá) e era o momento dos fiéis se ajoelharem e entoarem o refrão do hino “Senhor Deus, Misericódia...pequei senhor” e o padre promovia a ladainha.
Durante muitos anos a procissão percorria somente as ruas do centro da cidade saindo da Matriz, pegando a Rua Direita, Largo da Matança, dobrava a esquerda até a Rua da Estação, subia esta rua e retornava a praça Luis Nogueira e a igreja. E não demorava muito para que o povo da roça voltasse para suas casas.
Embora a procissão não tivesse o “Gato da Misericórdia”, nós, crianças dos anos 1950, corríamos por entre os fiéis apagando as velas que eram conduzidas sobretudo pelos “tabaréus”. Era uma lambança. Também nessa época, cada fiel fazia sua própria tocha e não havia a padronização artificial da Prefeitura, o que só veio ocorrer já nos anos finais do século XX. Um absurdo, por sinal, descaracterizando a festa e promovendo marketing político canhestro.
SENTIDO HISTÓRICO
A PROCISSÃO do fogaréu é uma manifestação teatral religiosa a céu aberto representativa da captura de Jesus no Monte das Oliveiras pelos romanos. Cristo é conduzido preso à noite por subversão a ordem do Império e, posteriormente, vai ser julgado e condenado a morte por crucificação.
A Igreja Católica introduziu essa manifestação no período medieval (790 a 1387) na Península Ibérica e a mais antiga e famosa do Brasil acontece na cidade de Goiás Velho, região central do Estado de Goiás, há 280 anos, e a cidade quer receber neste 2025, 90 mil turistas.
É isso que Serrinha precisa fazer, mas, é preciso instalar a infra. Serrinha, ao menos, atualmente, está com um prefeito jovem Cyro Novais que tem visão empresarial, distante, ao que parece, da eterna politicagem local.
Vale observar, ainda, que a Igreja Católica introduziu em Serrinha juntamente com a comunidade um espetáculo teatral que se dava na Praça Luís Nogueira e foi transferido para o alto da Santa e a procissão, ao longo dos anos, passou por uma série de mudanças, ampliou seu trajeto, permitiu a presença de mulheres e há exaltação a inúmeros santos e pratica-se também cânticos religiosos e mensagens de fé e aproximação com a igreja.
Lembrar que quando Cristo foi preso pelos romanos e depois executado na cruz não existiam nem a igreja católica (ele que pediu aos seus apóstolos que erigissem uma igreja, sobretudo a Pedro e a Paulo, e nem havia os santos, que só vão surgir 500 anos após a sua morte. Santo Antônio que é o mais cultuado município de Serrinha é um santo criado pela igreja no século XIII, nascido em Lisboa, Portugal. (TF)