Cultura

MODERNIDADE LIQUIDA TRICOLOR, por OVIDIO LEMOS FONSECA NETO

Existe alegria, mesmo na ausência do resultado positivo. Existe o regozijo em estar com os pais, filhos, irmãos, netos, avós, companheiros, amigos, todos unidos pelo sentimento azul, vermelho e branco.
OVIDO LEMOS FONSECA NETO , Salvador | 17/07/2025 às 19:46
   Existe um manual para ser um torcedor de futebol? Há um comportamento ideal para ir a um estádio? O que é proibido e o que é permitido aos amantes futebolísticos? Existe um padrão indicado para o torcedor em relação a seu clube?

   Tais perguntas soam estranhas, sobretudo por tratarem de uma atividade tão popular e espontânea como é torcer para um time de futebol, ainda mais no Brasil tropical.

   Desde a tenra infância, é cultural que o brasileiro já seja “batizado” com as cores de uma agremiação de futebol, de acordo com tradições familiares e interações sociais, que podem variar no tempo e no espaço, admitindo até certas “portabilidades”, do conhecido fenômeno “vira-folha”.

  Tão cedo também são apreendidas definições de como ser um torcedor: assistir aos jogos na tevê, ir ao estádio, ter uma camisa do clube, “secar” o rival, dentre tantas outras formas de manifestar-se.

  Parece ser verdade inconteste, no fim das contas, que numa tentativa de elaboração da receita de como ser um torcedor de futebol, somente um ingrediente seria obrigatório: o amor.

  Tomando por base o conceito científico que a paixão tem prazo de validade, não seria adequado dizer que a essência da coisa é ser um torcedor apaixonado, mas sim aquele que ama a sua agremiação, fato esse comprovado sempre que se vê em um funeral um caixão coberto pela bandeira de um clube.

   Partindo para um ponto particular, a torcida do Esporte Clube Bahia, sempre foi, é, e vale a pena dizer que sempre será, uma verdadeira tradução de que é o amor a um clube. Os relatos são diversos, os exemplos variados. Não raros aqueles que são conhecidos por preferirem alimentar a alma de Bahia, antes de alimentar de pão o próprio corpo.

   A fidelidade da torcida tricolor é quase secular, rompendo sempre barreiras geográficas. Onde quer que jogue o Bahia, lá estará sua torcida.

   Mas como muda o mundo, não seria diferente a ação do tempo sobre os tricolores baianos.

  Embora o componente principal do nobre sentimento continue pulsando sem cessar nos corações da torcida do Bahia, o que se percebe é o flerte crescente de parte da nação tricolor com o fenômeno da modernidade líquida.

   Nesse ponto, tem sido comum o imediatismo com que uma leva de torcedores parece se comportar, como se não houvesse mais outro jogo a ser realizado a não ser aquele a que se presencia. Antes, a torcida tricolor, com todas as grandiosas conquistas na história de seu clube, parecia adotar uma postura estoica, vivendo de modo a extrair o melhor possível daquilo que lhe acontecia. 

   Agora, ao contrário, dialogam, em boa parte, com uma conduta hedonista, onde a busca incessante do prazer – em vencer - é imperativa.

   Essas observações são constatáveis sem a menor necessidade de ir à Fonte Nova. Pela transmissão televisiva mesmo se constata a constante postura das vaias, muitas vezes até no intervalo do jogo. Logicamente, desde que não haja o emprego de violência ou outros meios que destoem do “aceitável”, as vaias são uma manifestação legítima, até de caráter subjetivo, onde cada torcedor pode e deve decidir quanto ao seu uso ou não.

   Contudo, é justamente essa subjetividade que demonstra um novo perfil encontrado entre os tricolores, podendo-se até falar numa figura contemporânea: o torcedor gourmet.

  Retomando o raciocínio das perguntas inicialmente postas, e pela análise de que não se tem um padrão definido de comportamento para a temática em questão, não há que se falar que fulano é mais torcedor que beltrano, que um torce melhor que outro.

   Muito além disso, o que se deve questionar é o desperdício que muitos torcedores vêm praticando, na sanha crescente pelo triunfo, colocando em segundo plano o prazer entranhado na essência de ser de tudo, que é o próprio amor ao clube.

   Não se quer dizer aqui, de maneira alguma, que vaias não podem ser úteis, cabíveis, muito menos que aqueles que vaiam nos estádios estão amando menos ou até deixando de amar o clube. O que se propõe é a análise de que momentos preciosos com os compatriotas de ideal tricolor podem estar sendo desperdiçados pela supervalorização dos três pontos.

   Não sejamos hipócritas, pois ganhar é bom. Aliás, é muito bom. Mas existe vida além do triunfo.

    Existe alegria, mesmo na ausência do resultado positivo. Existe o regozijo em estar com os pais, filhos, irmãos, netos, avós, companheiros, amigos, todos unidos pelo sentimento azul, vermelho e branco.

Assim como no futebol, é na vida.

Que tenhamos o equilíbrio para fomentarmos a fome pelo triunfo sem alimentarmos uma
perigosa megalomania por resultados.

  Que pensemos nisso com atenção, de modo que os mais belos matizes tricolores não sejam
ofuscados pela sedutora competitividade, pela agonia do imediatismo, pela necessidade
insuperável de um suposto sucesso.

Que acima de tudo vivamos e lembremos: somos a turma tricolor.