Passados 60 anos da morte dos meus avós Serrinha segue no atraso e somente agora foi anunciada a construção de uma maternidade pelo gov do estado, a ser inaugurada em 2027.
Tasso Franco , Salvador |
23/09/2025 às 10:03
Nascimento com a ajuda das parteiras
Foto: SERAMOVO
CAPITULO 3
COMO AS PESSOAS VINHAM AO MUNDO E AS PARTEIRAS
A Serrinha era um mundo no tempo dos meus avós. Uma Bélgica. Da sede da vila, depois cidade, em 1891, até a divisa com o distrito de Tracupá, Tucano, a beira do Rio Itapicuru distava 90 km. Ao Norte, em direção a Sergipe confrontava com Nova Soure. A Leste com Água Fria e Irará e ao Sul com Coité.
Todo esse imenso território já povoado de ponta a ponta não possuía médicos, enfermeiros, raros eram os farmacêuticos, as condições de vida eram precárias pois não havia água encanada, saneamento básico nem luz elétrica e vivia-se em consonância com a natureza. Em certo sentido, homens e animais domésticos e de pasto dependiam da persistência, da luta e da sorte.
Como então as pessoas vinham ao mundo, como nasciam e se criavam?
Bem, haja complexidade para explicar essa pergunta. Já dito acima, a sorte era um fator preponderante, pois, se a grávida tivesse algum problema mais sério, uma hemorragia, uma infecção, morria. Se na hora do nascimento do bebê houvesse algum entrave na posição do feto, às vezes, a mãe sobrevivia e a criança nascia morta; e vice-versa.
Havia, no entanto, um grupo de pessoas que trabalhava como parteiras (90% mulheres) e parteiros (10% homens), senhoras com experiência em partos, farmacêuticos e auxiliares de farmácia (homens) que “pegavam” (era como se falava) crianças. Isto é, ajudavam as mães no momento do parto.
Mas, como já dissemos acima, o território de Serrinha era imenso tinha 6 distritos, dezenas de povoados uns distantes dos outros, o transporte era precaríssimo normalmente feito em cavalos, burros, carroças e carros de bois e havia toda dificuldade de comunicação.
Então, muitos partos eram feitos pelas famílias – avós, mães ou tias – ajudando no “pegar” a criança e nos distritos e na sede (Serrinha já tinha farmácia desde final do século XIX) as famílias agendavam com as parteiras o dia ou semana dos partos.
E como as mulheres marcavam essas datas?
Esse era outro grande problema. Muitas meninas escondiam das mães a gravidez e quando menos se esperava apareciam de barrigão. – Quando foi isso menina? – perguntava a mãe. – Não lembro mãe foi no São João – respondia. Então, aleatoriamente era feito um cálculo contando a partir de junho mais 9 meses e a mãe dizia: - Vai nascer em fevereiro ou março do próximo ano.
Quando o comércio de Serrinha ficou mais robusto, algumas lojas davam de brinde no Natal uma folhinha e esse era um bom indicador para se saber o tempo da gravidez. Faltou a “regra” no final de janeiro só era marcar na folhinha 9 meses e o pronto.
Ninguém fazia exame de nada nem pré natal; nem pós e nem acompanhamento. Portanto, as mamães e os papais não sabiam se os filhos a chegar eram homens ou mulheres. Havia intuições e palpites: barriga pontuda era sinal de mulher; barriga mais larga redonda e grande, gêmeos; barriga redonda média, homem. Às vezes, acertava-se; outras, não.
As parteiras eventualmente sinalizavam isso às famílias quando perguntadas. E o serviço sendo previamente agendado, as parteiras recomendavam que no momento do parto era aconselhável ter uma bacia contendo água morna, panos brancos, que o local para o parto não fosse abafado. Além disso, a parteira levava consigo uma tesoura dentro de uma caixinha metálica contendo um frasquinho com álcool e bolinhas de algodão.
Na hora de cortar o cordão umbilical elas embebiam as bolinhas de algodão com o álcool usando o interior da caixinha, tocavam fogo e esterilizavam a tesoura. Mas, nem sempre esse método era utilizado, sobretudo na zona rural.
Havia, também, técnicas para curar o umbigo – com uso de faixas e pomadas – e enterrá-lo no quintal da casa ou no curral da fazenda.
Algumas parteiras recomendavam que as mamães na semana do parto usassem algumas ervas (chás) e rezassem em louvor a Nossa Senhora do Bom Parto no ato de “pegar” o bebê.
Raras eram as parteiras que usavam fórceps para manobra os bebês que tinham dificuldades de nascerem normalmente. Mas, as parteiras faziam algumas manobras com as parturientes no acomodar-se no leito, de frente, de lado, mais verticalizada, enfim, algo que facilitasse o nascimento do bebê.
As parteiras não usavam luvas e apenas lavavam as mãos com água e sabão retirando anéis na hora do parto aqueles que usavam alianças e anéis.
Havia, ainda, uma questão adicional complexa sobretudo na zona rural quando a criança nascia a noite com o local do parto, regra geral, abafado, e iluminado por fifós (pequenos candeeiros de zinco com pavio imerso em querosene) com chamas pequenas e odores desagradáveis devido a queima do querosene. Era um drama.
Isso também ocorria nos distritos e na vila embora algumas famílias já possuíssem candeeiros de melhor qualidade com exaustores (hastes em vidro comprido) e também algumas famílias possuíam candeeiros de ferro forjado (tio lampiões) com vidro. Mais próximo dos anos 1950/1950 surgiram os candeeiros tipo Aladim, com boa iluminação.
Outro fato relevante é que, nem sempre, dava tempo de organizar esse aparato e o parto ocorria às pressas e valia mais o improviso e a experiência de quem estivesse por perto no momento “das dores” da gestante. E no corre-corre valia tudo e, nem sempre os cuidados básicos eram respeitados. E houve casos – inúmeros – de nascimentos (e mortes) com essa característica.
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Nascida a criança (em parto organizado) vinha o choro e o banho da criança na bacia com água morna e o aconchego da mamãe. Em seguida, ocorria o resguardo que se constituía em repouso, apreciar comidas leves de preferência “canja de galinha”, ter cuidados com infecções; portanto, assear a área vaginal, não praticar sexo ao menos durante 40 dias, não pegar peso e andar aos poucos.
Se a mamãe tivesse leite ótimo para a saúde do bebê e deveria fornecer à vontade, mas, por falta de informações, algumas famílias preferiam dar papas aos bebês os chamados angus os chamados angus populares a base de farinhas de milho ou de mandioca (essa última a mais praticada) com um pouquinho de sal.
Dar água ao bebê também era fundamental e o problema maior nesse caso é que a água nem sempre era filtrada e fervida, e dava-se água das fontes, dos tanques, dos açudes. Na farmácia (só na sede do município) vendia uma moringa com copinho contendo o que se chamava de água inglesa.
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A etapa complementar era o registro da criança. Um decreto imperial 9886 de 7 de março de 1888 impunha a obrigatoriedade do registro civil dos nascidos e óbitos. “Toda pessoa nacional ou estrangeira, que tendo obrigação de dar nascimento ou algum óbito, não fizer as declarações competentes dentro dos prazos marcados, ocorrerá uma multa de 5 a 20$000 elevado do duplo em caso de reincidência” (1)
Já no período republicano, outro decreto, de novembro de 1914, excluía a multa desde que o registro fosse feito durante o período de 1 ano.
Cabia aos juízes de Paz e de Direito a aplicação das multas e cabia ao juiz de Direito ratificar o registro civil de nascimento, casamento e óbitos.
Na prática, a aplicabilidade dessas leis dava-se apenas parcialmente. Serrinha, a vila, possuía a sede do Cartório do Registro Civil e os juízes de Paz e de Direito (este último a partir da década de 1900) e nada mais nos distritos, povoados e áreas rurais.
Quem morava na sede poderia fazer o registro da criança rapidamente. Mas, afinal, quem dava o registro do nascimento se não havia clinicas nem hospitais?
Tudo era feito na viva voz no juizado de Paz ou no Cartório a família levava os pais e a criança e fazia o registro. O oficial do cartório então anotava: - José filho de Maria e Francisco em presença neste cartório atestam que nasceu dia 2 de março de 1905 na sede (ou no distrito tal; ou na fazenda y) sendo testemunhas seus avós Miguel e Damiana.
Era assim que funcionava. Depois, com o papel em mãos tinha que ratificar (averbar) o registro. Evidente que, com território imenso como era o de Serrinha, centenas ficaram sem registros por muito tempo e alguns só foram ter esse documento quando adultos.
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Algumas parteiras ficaram famosas como Sinhara, Udália, Rosa e o farmacêutico Paulo Santana (o Bieta). Em nossa casa, por exemplo, a parteira foi Dona Rosa que “pegou” Bráulio (1940), Celeste (1942), Tasso (1945) e Laiz (1950).
O perfil de Rosa era assemelhado as demais parteiras: senhora com média de idade entre 40 a 50 anos, serena, estatura mediana, parda. corpulenta, voz baixa e acalentadora, andar macio, o que dava tranquilidade a parturiente.
Como estamos falando dos meus avós, o parto do meu avô paterno aconteceu na Fazenda Lagoa Grande (Irará) e de minha avó paterna, na vila de Serrinha; meu avô materno nasceu na vila da Serrinha e minha avó materna em Água Fria. Todos no final do século XIX.
Meu avô paterno era viúvo em meados dos primeiros dez anos do século XX (sua primeira esposa teria morrido de parto ela e o filho (a) e se casou pela segunda vez com Roza de Lima que teve o filho Bráulio, em 25 de março de 1910, quando Serrinha já era cidade, mas, não tinha médicos.
Todos, portanto, nasceram com ajuda de parteiras assim como minha mãe Zilda (1917) e seus irmãos Álvaro, Dalva, Celina e Aderaldo.
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(1) Jornal de Serrinha observação do juiz de direito Paulo Teixeira, 1918
(2) Serrinha – em parte – continua como no tempo dos meus avós, no atraso. Somente agora, 65 anos depois da morte deles, anuncia-se a construção de um Hospital Regional e Maternidade, obra do governo do Estado, previstos para inaugurar em 2027. Ou seja, muitas crianças serrinhenses nasceram e foram registradas em Feira de Santana a Coité, nos últimos 25 anos; e as parteiras ainda seguem atuando na zona rural e distritos.
(3) Colaborou com este capítulo João de Deus.
*** No próximo capitulo a morte e os velórios